Título: As glórias do mundo
Autor: MAURO SANTAYANA
Fonte: Jornal do Brasil, 16/09/2005, País, p. A2

O homem astuto, diz texto anônimo medieval, não busca a glória: espera que ela o venha encontrar. Se ela vier, será companheira para sempre. Se for perseguida, fugirá logo. E se não vier, paciência; é melhor contar com a promessa da glória eterna. E assim passam as glórias do mundo. O deputado Roberto Jefferson perdeu o mandato, mas não o trocou pela tranqüilidade. A sociedade quer saber onde se encontram os R$ 4 milhões recebidos de Marcos Valério. Se os distribuiu, que identifique os destinatários. Não é provável que o ex-parlamentar tenha feito todo esse show apenas a fim de ficar com o dinheiro. Nem é aceitável que ele esteja em momento de hesitação psicológica, em razão de seu emagrecimento recente. Há quem assegure que súbita perda de peso influi no humor das pessoas. Seja como for, Roberto Jefferson está condenado a dez anos de jejum eleitoral. Se a glória a que aspirava era a do poder político, terá que dar férias à esperança.

Os outros parlamentares, que se encontram na fila da guilhotina, sabem que podem adiar a queda da lâmina fria no metafórico pescoço, mas é improvável que dela venham a escapar. A fadiga dos cidadãos encontrou o seu limite. Não dá mais para suportar a insegurança nas ruas e no Estado. O brasileiro vem sendo assaltado em sua casa e nos gabinetes de governo, e há muito tempo. É de justiça lembrar que, no que tange ao governo federal, houve algum alívio nos dois anos e meses da presidência de Itamar Franco. Embora não lhe fosse possível, no curto mandato, limpar toda a máquina estatal, pôde, pelo menos, manter seu gabinete sob estrita vigilância. Recorde-se que, em seu governo, o preço das obras públicas se reduziu consideravelmente. Com a sua saída, as coisas "voltaram ao normal".

Assim passam as glórias do mundo. Já tratamos aqui do efeito salutar da prisão de Paulo Maluf e de seu filho. O ex-governador de São Paulo nunca acreditou que viesse a ser tratado como criminoso. De agora em diante, os admiradores irão pensar duas vezes, antes de lhe emular o comportamento. O que fará Maluf do futuro, se condenado? A idade lhe confere atenuantes, mas talvez a pior prisão seja a das ruas abertas e livres. No cárcere - e alguns prisioneiros políticos a isso se referem -, o homem é mais livre para pensar, do que do lado de fora, onde os compromissos menores da vida impedem a reflexão. Isso, é claro, para os que se dedicam a avaliar idéias - e não cabedais. Grande parte de Dom Quixote foi escrita quando Cervantes se encontrava preso - por dívidas - no cárcere de Sevilha. Não é provável que Maluf venha a escrever alguma coisa na prisão - se nela permanecer. Nem a ficção gloriosa de Cervantes, nem as reflexões políticas dos Quadèrni di càrcere, de Gramsci.

Uma das mais fortes lições da vida é a de que nada é sólido e permanente. Grandes fortunas dissolvem-se em pouco tempo, em conseqüência das catástrofes naturais ou econômicas. Uma invulgar inteligência pode submergir nas trevas da demência, como foi o caso de homens como Hoederlin, Kant e Nietzche, para ficar apenas nesses grandes alemães. Por isso é prudente desconfiar dos êxitos mundanos. Os crentes podem refugiar-se na fé. Os homens comuns em sua própria conduta moral.

Cético até o fim, o que não lhe diminuía a vocação para o poder, Tancredo Neves dizia que a única forma de bem administrar o êxito é nele não acreditar muito. Quando qualquer um de nós acredita nas glórias do mundo, na eventual popularidade e nas fortunas repentinas, surgem a soberba e a vaidade, que suscitam a arrogância e a ilusão da invulnerabilidade no exercício do poder.

Roberto Jefferson acreditou no êxito e, ainda que possa vir a ser um tenor como Caruso ou Pavarotti, dificilmente voltará ao Parlamento. No outro lado do espectro, Severino também acreditou ter chegado à presidência da Câmara pelos seus méritos - e não pelas circunstâncias. Os que o inventaram querem dele livrar-se logo, antes que o povo venha a livrar-se de todos. E assim passam as glórias do mundo.