O Estado de São Paulo, n. 46752, 18/10/2021. Política p.A7

 

Após divergências e vazamentos, Aziz adia leitura de relatório da CPI

 

 

Amanda Pupo

 

Por divergências em relação ao conteúdo do relatório final da CPI da Covid, principalmente no trecho que pede o indiciamento de Jair Bolsonaro por homicídio qualificado, o presidente da comissão decidiu ontem adiar a leitura do documento. Inicialmente, a reunião estava marcada para amanhã, com votação marcada para o dia seguinte. A nova data será na quarta-feira, e a votação ficou agendada para a próxima terça-feira, 26.

A decisão de Aziz foi tomada após o Estadão revelar ontem o conteúdo do parecer do relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL) – o documento tem 1.052 páginas. A reportagem apurou que o presidente Jair Bolsonaro teria reclamado com Aziz da intenção de Renan. Interlocutores de Bolsonaro afirmam que o termo "homicídio" é de fácil entendimento por parte da população e, se isso for adiante, Bolsonaro ficará marcado como assassino, o que seria muito difícil de ser revertido na opinião pública.

O relatório final da CPI conclui que o governo de Jair Bolsonaro agiu de forma dolosa, ou seja, intencional, na condução da pandemia e, por isso, é responsável pela morte de milhares de pessoas. "O governo federal criou uma situação de risco não permitido, reprovável por qualquer cálculo de custo-benefício, expôs vidas a perigo concreto e não tomou medidas eficazes para minimizar o resultado, podendo fazê-lo. Aos olhos do Direito, legitimase a imputação do dolo", diz trecho da peça, que tem 1.052 páginas e ainda pode ser alterada até a sua apresentação formal na CPI.

Em uma mudança de entendimento, o texto passou a imputar a Bolsonaro e ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello o crime de homicídio qualificado. Até então, o relatório atribuía aos dois o crime de homicídio comissivo – praticado por omissão. O argumento do relator da comissão parlamentar é de que Bolsonaro sabia dos riscos que oferecia à população e os assumiu.

O Estadão apurou que, apesar das reclamações, Renan pretende manter essa definição, a menos que isso prejudique a aprovação do relatório.

O senador disse que da sua parte "está tudo definido" no texto e que agora é avaliar o que seus companheiros pensam a respeito do texto.

Outro ponto de impasse no colegiado é o indiciamento do ministro da Defesa, Walter Braga Netto. Nesse caso, é o próprio relator que resiste a essa conclusão. Renan considera que, durante os trabalhos da CPI não houve apoio nem mesmo para ele prestar depoimento, quanto mais para o indiciamento. Braga Netto, que chefiou a Casa Civil no início da pandemia, era o coordenador do grupo interministerial criado pelo Palácio do Planalto para conduzir a gestão da pandemia.

"Não é discordância. É porque o que vazaram, vazaram pontualmente, e só as tipificações. A gente não tem o embasamento. Nenhum senador viu o documento ainda."

Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid do Senado

"(O adiamento) Ajudará muito termos mais tempo para conversar, afinal o parecer é da maioria. É coletivo. Não é individual."

Renan Calheiros (MDB-AL), relator

'CAUTELA'. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSDAM), afirmou ao Estadão/broadcast que o adiamento não está relacionado a eventuais discordâncias sobre pontos do relatório, mas ao vazamento de seu conteúdo.

"Não é discordância. É porque o que vazaram, vazaram pontualmente, e só as tipificações. A gente não tem o embasamento", disse ele, que afirma não ter tido acesso ao relatório até o momento. "Nenhum senador viu o documento ainda", afirmou.

De acordo com Aziz, a data da leitura do relatório foi alterada por uma questão de cautela. O presidente da CPI foi aconselhado por vários juristas a conceder um período maior de tempo entre a leitura do parecer e a votação do relatório, disse o senador.

"Fui aconselhado por vários juristas a ter a cautela necessária para que alguém não entre na Justiça dizendo que não teve direito de defesa porque o prazo é muito exíguo. Relatório com mais de mil páginas você não analisa em minutos. Apenas em um dia as pessoas ainda não teriam dados suficientes para questionar pontualmente alguma coisa", afirmou o senador.

Renan Calheiros disse ao Estadão que não se opõe ao adiamento da leitura e da votação do relatório. "Ajudará muito termos mais tempo para conversar, afinal o parecer é da maioria. É coletivo. Não é individual", afirmou. Para ele, no entanto, o texto do relatório já está "definido" e agora serão feitos apenas ajustes de redação. Mesmo assim, disse Renan, é importante saber o que os colegas dele na CPI avaliam do documento.

Depois de aprovado, o relatório com a conclusão dos trabalhos e as sugestões de punição será encaminhado aos órgãos de controle, que poderão abrir processos sobre os supostos crimes apontados. Isso ocorre porque a CPI tem poderes de investigação, mas não de punição.