O Globo, n. 32733, 21/03/2023. Opinião, p. 3
Um bolo mal repartido
Jorginho Mello
Um estado inovador e competitivo, reconhecido pela capacidade empreendedora, privilegiado com belezas naturais, que tem neve e praias paradisíacas, além de um inesgotável potencial industrial. Se você pensou em Santa Catarina, não foi por acaso. Cada adjetivo que descreve nosso estado encontra lugar em indicadores econômicos e sociais. O Ranking de Competitividade dos Estados de 2022 aponta que SC concentra os melhores resultados do país em eficiência da máquina pública, segurança pública e sustentabilidade social. Ocupamos a vice-liderança na média de todos os demais quesitos do ranking há seis anos consecutivos, o que reflete o excelente desempenho catarinense na última década. Vale lembrar que ocupamos apenas cerca de 1% do território.
Concentramos os maiores índices de empregados com carteira assinada e a menor taxa de informalidade do Brasil (Pnad Contínua). No ano passado, a indústria de SC registrou o segundo maior crescimento nacional na produção de alimentos. Alcançamos, no mesmo período, o maior fluxo de comércio internacional da História catarinense.
Com tamanho protagonismo no cenário nacional, SC deveria estar na primeira fila dos recursos arrecadados e distribuídos pela União, certo? Errado. Nessa relação, vivemos realidade inversa à da meritocracia, com um dos piores retornos de tributos federais em relação ao total arrecadado por estado.
Entre janeiro e novembro do ano passado, a arrecadação de impostos e tributos federais recolhidos dos contribuintes catarinenses somou R$ 97,3 bilhões (Dados Abertos). O que SC recebeu via Fundo de Participação dos Estados ficou na casa de R$ 1,9 bilhão. A quantia que retornou foi 51 vezes menor. É como oferecer todos os ingredientes para fazer o bolo tributário crescer, mas ficar com uma modesta fatia quando sai do forno. Quem se contentaria com um bolo mal repartido?
Essa condição desproporcional não é de hoje. Entre 2013 e 2022, os catarinenses garantiram R$ 615,9 bilhões de arrecadação ao governo federal, mas o estado recebeu de volta da União cerca de R$ 12 bilhões. Há, portanto, um descompasso que não condiz com os princípios de igualdade garantidos pela Constituição.
Nos últimos anos, lidamos com o aumento das obrigações estaduais em relação à saúde, à educação e à segurança pública sem ajustes de arrecadação. É claro que a União não pode nem deve fechar os olhos para as regiões mais desprovidas do país. Investir para reduzir desigualdades é o papel de qualquer gestor público, e SC compreende e apoia tais políticas. Afinal, SC não é uma ilha, somos um só Brasil. Mas nosso estado não pode ser eternamente penalizado por sua notória produtividade.
Está na hora de avançar em discussões importantes, como um novo Pacto Federativo, que distribua com mais inteligência e justiça os recursos destinados pelos estados à União. Precisamos rediscutir, também, a repactuação dos critérios de correção da dívida pública — o crescimento econômico é inferior aos encargos contratados, tornando insustentável pagar a conta, investir e manter serviços públicos de qualidade.
A prorrogação para 2034 do Regime Especial de Pagamento de Precatórios também é urgente. Sul e Sudeste terão de desembolsar R$ 64 bilhões para pagar essa conta nos próximos seis anos. São valores que pressionam as finanças públicas. Há ainda a aguardada reforma tributária. Um novo sistema tributário garantirá mais eficiência econômica, justiça social e autonomia para que os governadores invistam em políticas de desenvolvimento.