O Globo, n. 32734, 22/03/2023. Opinião, p. 2

Novo alerta do IPCC não deve ser ignorado



Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sempre têm um ar de déjà-vu. A mensagem dos cientistas reunidos pela ONU se repete: as emissões globais de gases do efeito estufa continuam aumentando, e o controle do aquecimento global é cada vez mais difícil. De tanto ouvi-la, alguns já não a escutam, nem refletem mais sobre ela. É um erro.

O documento divulgado nesta semana merece destaque por trazer uma projeção nova: a temperatura média mundial provavelmente estará 1,5 °C mais quente em relação ao período pré-industrial já na metade da próxima década. Os atuais eventos climáticos extremos são decorrência do aquecimento registrado até agora, de 1,1 °C. Em cerca de 12 anos, a frequência e a gravidade de secas e temporais serão muito maiores. O que está ruim vai piorar.

Mas a constatação de que o objetivo de 1,5°C já não é alcançável não deve ser paralisante. Ao contrário. A marca de 1,5°C ganhou peso simbólico em razão das negociações realizadas em Paris, em 2015. A maioria dos grandes países estava disposta a assinar um documento se comprometendo a limitar o aquecimento a um patamar inferior a 2°C até o final do século. Por pressão de uma aliança de pequenas ilhas que correm o risco de desaparecer com a alta no nível dos oceanos, a versão final recebeu um adendo. Ficou acertado que a meta seria ficar abaixo de 2 °C, mas esforços seriam empenhados para limitar o aquecimento a 1,5 °C.

A partir de Paris, a marca menor tornou-se uma referência. Em 2018, o IPCC elevou seu status ao publicar estimativas sobre os impactos de um aumento de 1,5 °C ou de 2 °C. Apenas no quesito biodiversidade, no patamar mais alto a perda de espécies de vertebrados e plantas era o dobro, a de insetos o triplo e a de recifes de corais quase total.

Embora a resposta da maioria dos países até agora seja claramente insuficiente, diversas iniciativas ainda poderão ganhar corpo e limitar a alta da temperatura. No Brasil, o governo está disposto a combater o desmatamento ilegal na Amazônia, e países ricos parecem ter percebido que terão de pagar parte da conta ao ajudar a promover o bem-estar dos milhões de brasileiros que vivem na região da floresta. Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden deu início a uma transição para a energia limpa, com a expansão do mercado de carros elétricos. China e Índia investem maciçamente em fontes renováveis, e a Europa está se adaptando após o choque energético provocado pela interrupção de fornecimento de gás e petróleo russo.

Para que se limite o aquecimento global na medida necessária, algumas ideias precisam ser postas no devido contexto. Uma delas é a noção de que a tecnologia necessariamente nos salvará. As técnicas de captura de carbono ainda são incipientes. Seria uma irresponsabilidade tremenda confiar que, sozinhas, tirarão da atmosfera os gases deletérios. A indiferença da opinião pública também precisa ser combatida.