O Globo, n. 32734, 22/03/2023. Economia, p. 13

Arcabouço fiscal fica para abril

Manoel Ventura


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu adiar o anúncio oficial do novo arcabouço fiscal (a regra para controle dos gastos públicos) em razão da indefinição sobre detalhes da proposta. São dados que definirão o espaço que o governo terá para gastar nos próximos três anos. Enquanto a equipe econômica defende regras mais restritivas, integrantes do Palácio do Planalto querem mais gastos para investimentos e para áreas como saúde e educação.

Parlamentares do PT defendem a necessidade de mais despesas. O próprio presidente indicou que gostaria de gastar mais com saúde, segundo integrantes do governo. Lula disse ontem que o anúncio será feito após o retorno da viagem oficial que fará à China e que começa no fim desta semana. Com isso, a apresentação da regra ficou para abril.

— É preciso discutir um pouco mais. A gente não tem que ter a pressa que algumas pessoas do setor financeiro querem. Eu vou fazer o marco fiscal, eu quero mostrar ao mundo que tenho responsabilidade — disse, em entrevista à TV 247.

Lideranças e economistas

Integrantes da Fazenda dizem que não foram pegos de surpresa com a fala de Lula e que já estava encaminhado com Haddad o adiamento do anúncio. Lula pediu ao ministro para falar com lideranças e economistas antes da divulgação.

Na noite de ontem, Haddad afirmou que o novo arcabouço fiscal vai prever uma recomposição das “perdas” que saúde e educação tiveram desde a criação da regra do teto de gastos, em 2016. O parâmetro fiscal, vigente até hoje, limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. O teto será substituído pelo arcabouço fiscal quando for aprovado pelo Congresso.

Encontrar uma saída para viabilizar gastos para saúde e educação, uma das demandas da ala política, foi um dos entraves para a divulgação da proposta.

— Como a gente está saindo de uma regra muito rígida que retira muitos recursos da saúde e da educação, nós temos que imaginar uma transição para o novo arcabouço que contemple uma reposição da perda para os dois setores —disse Haddad.

O teto de gastos define mínimos para saúde e educação, que são corrigidos a cada ano pela inflação. São as chamadas vinculações constitucionais. Antes dessa regra fiscal entrar em vigor, os valores eram calculados com base na receita corrente líquida, independentemente do patamar registrado no ano anterior.

Com o teto de gastos, em alguns anos entre 2017 e 2023, os gastos com saúde e educação ficaram menores do que teriam sido caso vigorasse a regra anterior. É essa diferença que Haddad quer compensar.

O entendimento do governo é que a nova regra fiscal irá revogar o teto e, portanto, voltará a funcionar a regra do gasto vinculado à receita.

—Todas as vinculações têm uma regra na Constituição e uma regra na PEC do teto de gastos. E nós precisamos verificar na transição de um modelo para outro como é que a gente vai acomodar isso —disse Haddad, ao deixar o Ministério da Fazenda. —A saúde e a educação perderam recursos com a regra do teto. Como vai vir um novo arcabouço fiscal, nós temos que pensar uma regra de transição.

Segundo Haddad, a mudança de data não atrasa em nada o cronograma do governo.

A discussão sobre parâmetros da proposta é que vai definir o comportamento das despesas e, portanto, o espaço para gastos.

Caso haja um crescimento muito forte da receita, por exemplo, o espaço destinado para gastos fora de saúde e educação ficaria comprimido. Por isso, os técnicos estão ajustando a regra para atender a essa necessidade.

À tarde, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), disse que não haverá exceção na regra fiscal.

— O ministro não detalhou uma excepcionalização de um item ou de outro item —disse, após se encontrar com Haddad.

Dívida bruta em xeque

O governo ainda não definiu, também, quais projeções para indicadores como PIB, PIB per capita e IPCA serão usados. A depender da escolha, o governo terá mais ou menos espaço para gastar a partir de 2024.

Além disso, técnicos que trabalham no Palácio do Planalto questionam o uso da dívida bruta como referência, como quer a Fazenda. Esses técnicos defendem, por exemplo, que seja usada a dívida líquida do governo. Esse indicador é mais sensível às variáveis fiscais, enquanto a dívida bruta é mais ampla.

Durante a manhã, Haddad disse que a norma e a reforma tributária vão dar um horizonte de sustentabilidade fiscal e social.

— O que queremos achar, e não é uma tarefa simples, é uma linha fina que permita ao governo honrar seus compromissos de campanha e oferecer ao Estado brasileiro, não ao governo, uma base fiscal sustentável para responder aos direitos sociais que estão previstos na Constituição. Eu sou otimista em encontrar essa linha fina —disse o ministro.

O dia 15 de abril é considerado o limite para o envio do texto ao Congresso porque é nessa data que o Executivo precisa apresentar o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024. O governo quer que as bases do Orçamento do próximo ano já sejam construídas sobre a nova regra fiscal.