Título: Cai foro privilegiado para improbidade
Autor: Deniel Pereira, Paulo de Tarso Lyra e Renata Moura
Fonte: Jornal do Brasil, 16/09/2005, País, p. A3

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem, por sete votos a três, dispositivos da Lei 10.628 que garantiram direito a foro privilegiado a autoridades e ex-autoridades públicas de primeiro escalão processadas por improbidade administrativa. A decisão foi tomada após análise de ações propostas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra a ampliação do foro, que permanece válido para ações criminais.

Promulgada em 24 de dezembro de 2002, a lei foi aprovada graças a um acordo entre o PT e o PSDB. Teve inspiração em condenações judiciais de primeira instância, por improbidade administrativa, impostas a ministros do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como José Serra (Planejamento e Saúde) e Pedro Malan (Fazenda). Com a aprovação da lei, as autoridades conquistaram mais blindagem no Judiciário e ficaram sujeitas a julgamento apenas nos tribunais superiores, mesmo que não estivessem mais no exercício da função.

Com a derrubada da regra, as denúncias de improbidade administrativa voltarão a tramitar, de início, na primeira instância. E as investigações permanecerão a cargo dos promotores e procuradores.

- Trazer para o tribunal esta competência é consagrar a impunidade - disse o ministro Carlos Velloso.

Para ele, seria impossível para o Supremo dar conta da demanda caso a lei não fosse derrubada. Relator das ações da Conamp e da AMB, o ministro Sepúlveda Pertence disse que a jurisprudência do STF é contrária à ampliação do foro privilegiado a ex-autoridades públicas. E afirmou que uma lei ordinária não pode alterar o entendimento da Corte.

- O Congresso não tem poder para criar, por lei ordinária, novas hipóteses de competência originária para o Supremo - acrescentou o ministro Joaquim Gomes Barbosa. Seguiram a mesma linha os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Britto lançou mão de um dito popular para derrubar a ampliação do direito a foro privilegiado para ex-presidentes da República, ex-ministros, ex-parlamentares e ex-governadores: ''rei morto, rei posto''.

Apenas os ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Ellen Gracie votaram a favor da manutenção da lei. Acusado na Justiça de improbidade administrativa quando era titular da Advocacia-Geral da União (AGU), Mendes disse que tais ações foram utilizadas nos últimos anos como instrumento político, a fim de constranger autoridades públicas.

- As ações de improbidade administrativa foram usados com fins outros, rastaqueras, de dificultar a ação política - declarou Mendes.

Já Eros Grau defendeu ser possível o Congresso corrigir decisões do STF por leis.

- A lei impede que se banalize procedimentos judiciais de cunho político - afirmou.

A decisão de ontem pode ser anulada por outra iniciativa parlamentar. Os senadores incluíram, na reforma do Judiciário em tramitação na Câmara, regra que inclui na Constituição as mesmas hipóteses de ampliação de foro privilegiado constantes da Lei 10.628. Se a medida for aprovada, será mais difícil para o STF derrubá-la.

Com a decisão tomada hoje, os deputados acusados de envolvimento no mensalão que renunciarem ao mandato ou forem cassados não vão mais responder a processo perante o Supremo. As ações irão tramitar na primeira instância.

Em outro exemplo prático, o ex-prefeito Paulo Maluf também não terá mais base legal para afirmar que é nulo o processo que resultou na prisões preventivas dele e do filho Flávio Maluf. A ação tramita na primeira instância da Justiça Federal de São Paulo.