O Globo, n. 32735, 23/03/2023. Opinião, p. 2

Rever venda da Eletrobras é ideia sem cabimento



Não tem cabimento a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmando que pretende entrar com ação na Justiça para que o Estado retome o controle da Eletrobras, privatizada no ano passado. Ela é contrária ao interesse do país por, pelo menos, dois bons motivos. Primeiro, há uma questão prática. As chances de sucesso são ínfimas. A privatização foi aprovada pelo Congresso Nacional e chancelada pelo TCU. Segundo, há uma questão de mérito. A reestatização tornaria a empresa de novo um cabide de empregos, com baixa capacidade de investimento e alta vulnerabilidade a interferências políticas. Seria, ao contrário do que diz Lula, péssimo para o Brasil.

Lula descreve a privatização como “loucura”, mas insanidade era a Eletrobras nas mãos do Estado, em especial nas administrações do PT. Quando o governo Michel Temer deu início à preparação da empresa para ser privatizada, os funcionários somavam 26 mil. Quando o controle passou a investidores privados, caíram para 12 mil. Em fevereiro, cerca de mil foram demitidos, e há ainda 1.500 inscritos no plano de desligamento voluntário. Quando concluída, só essa redução de 2.500 na força de trabalho gerará economia de R$ 95 milhões mensais. Quem pagava a conta de todos os empregos públicos desnecessários mantidos por décadas? Nós, contribuintes.

Nas mãos da iniciativa privada por poucos meses, a Eletrobras já retomou investimentos que andavam paralisados. Ao todo, R$ 5,6 bilhões foram aplicados em 2022, 20% a mais que na comparação com 2021. A expectativa é que esse valor cresça nos próximos anos para R$ 14 bilhões, patamar impossível de alcançar quando a empresa era estatal. Não há como o investimento público — consumido por demandas mais relevantes como educação, saúde ou combate à miséria — competir com o capital privado.

Em 2016, o endividamento era tão alto que a Eletrobras só não corria o risco de entrar em recuperação judicial porque a União bancava as perdas. Se continuasse estatal, sua participação de mercado derreteria ao longo dos anos. Longe de leilões de energia por muito tempo, ela agora volta a competir para crescer na comercialização. Neste ano, o foco será em transmissão, segundo declarações dadas pelo presidente da empresa, Wilson Ferreira Junior. O próximo leilão está previsto para junho e oferecerá projetos em Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe.

Mesmo defensores da privatização da Eletrobras reconhecem que ela não ocorreu sem problemas. O principal ficou conhecido como “jabuti das térmicas”. Congressistas favoreceram empresários do setor do gás e incluíram na lei a obrigação de instalar termelétricas onde não há gás nem alto consumo de energia. Foi um erro, mas não justifica rever uma privatização de sucesso. Ao levantar a questão, Lula apenas semeia insegurança no estratégico mercado de energia e cria ainda mais turbulência na gestão da economia.