Correio Braziliense, n. 21558, 26/03/2022. Política, p. 2

Escândalo no MEC vira caso de polícia

Luana Patriolino


A situação do ministro da Educação, Milton Ribeiro, fica cada vez mais complicada e coloca em xeque a permanência dele no cargo. O titular da pasta virou alvo de inquérito da Polícia Federal, ontem, por suspeita de favorecer pastores na liberação de verbas para prefeituras. A apuração foi autorizada pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF). Na quinta-feira à noite, a corporação já tinha instaurado outra investigação — por solicitação da Controladoria-Geral da União (CGU) — que tem como alvo os líderes evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura. Eles seriam os responsáveis por intermediar, diretamente com Ribeiro, a destinação dos recursos.

Cármen Lúcia avalizou a abertura de inquérito contra o ministro atendendo a um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que verificou indícios de corrupção passiva, tráfico de influência, prevaricação e advocacia administrativa. O PGR, porém, ainda não se manifestou sobre uma investigação contra o presidente Jair Bolsonaro por suposto envolvimento no caso.  

O escândalo foi denunciado pelo Estadão, que apontou a existência de um gabinete paralelo no MEC, comandado pelos dois pastores. Nesta semana, a Folha de S.Paulo divulgou áudio em que Milton Ribeiro diz: “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do (pastor) Gilmar (Santos). A minha prioridade é atender, primeiro, os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. As declarações teriam ocorrido numa reunião com dirigentes municipais dentro do ministério.

Com a revelação do áudio, começaram a surgir denúncias de prefeitos sobre propinas que os pastores cobravam para facilitar a liberação das verbas do MEC. 

Ribeiro nega qualquer irregularidade e conta com o apoio de Bolsonaro. “O Milton, eu boto minha cara no fogo por ele. Estão fazendo uma covardia”, protestou na live desta semana.

No despacho em que autorizou a apuração, Cármen Lúcia ressaltou que “se dá notícia de fatos gravíssimos e agressivos à cidadania e à integridade das instituições republicanas que parecem configurar práticas delituosas”.

“O cenário exposto de fatos contrários a direito, à moralidade pública e à seriedade republicana impõe a presente investigação penal como atendimento de incontornável dever jurídico do Estado e constitui resposta obrigatória do Estado à sociedade, que espera o esclarecimento e as providências jurídicas do que se contém na notícia do crime”, acrescentou a ministra.

Foro privilegiado

Em ofício enviado ao gabinete da ministra Cármen Lúcia, o delegado Bruno Calandrini, responsável pelo caso, informou que o inquérito foi cadastrado no Serviço de Inquéritos Especiais, setor subordinado à Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), que cuida de apurações contra políticos e autoridades com foro nos tribunais superiores. A corporação tem 30 dias para entregar o primeiro relatório ao STF.

Dez já denunciaram

Pelo menos 10 prefeitos afirmam que pastores atuaram na intermediação de recursos ou no acesso direto ao ministro da Educação, Milton Ribeiro. Desse grupo, três disseram que ouviram pedido de propina em troca da liberação de verbas federais para escolas. Eles serão intimados a prestar depoimento à Polícia Federal. No que foi o relato mais forte até agora de como o esquema era operado no MEC, o prefeito de Luis Domingues (MA), Gilberto Braga, contou que lhe pediram propina em ouro. Ele se referia ao pastor Arilton Moura que atuava em parceria com o também pastor Gilmar Santos.