O Globo, n. 32736, 24/03/2023. Política, p. 4

Vigilância facilitada

Paolla Serra
Bela Megale
Luã Marinatto


A maior facção criminosa do país planejou um ataque ao ex-ministro e atual senador Sergio Moro (União-PR) no dia da eleição do ano passado, monitorando seu local de votação, em Curitiba. A investigação apontou ainda que a quadrilha, que pretendia fazer atentados também contra outras autoridades, conseguiu ter acesso a dados sigilosos de um banco de dados do governo de São Paulo, alimentado por imagens de câmeras de segurança e informações policiais. Os relatos foram apresentados pela Polícia Federal à Justiça, que derrubou ontem o sigilo da operação que desarticulou o plano.

A juíza Gabriela Hardt, que autorizou o cumprimento de 11 mandados de prisão e 24 de busca e apreensão contra o grupo, na quarta-feira, elencou documentos, fotos, mensagens e até a análise de localização dos celulares dos bandidos realizada por policiais federais. A facção criminosa manteve ativas planilhas de custos da ação e ainda promoveu reuniões por chamadas de vídeo.

No caso de Moro, a partir de interceptações telefônicas e telemáticas, policiais federais conseguiram rastrear manuscritos que incluíam informações como seus endereços, nomes de familiares, telefones, e-mails de seus filhos e até suas declarações de bens — havia ainda registros sobre os locais de estudo e trabalho da filha do parlamentar. Em uma das trocas de mensagens interceptadas, há um relato detalhado sobre o “reconhecimento de local” feito no Clube Duque de Caxias, em Curitiba, onde ele votou na última eleição.

Mapeamento

Nessa conversa, feita a partir de um aparelho celular utilizado por Janeferson Aparecido Mariano, conhecido na facção como Nefo, Artur ou Dodge, seu interlocutor descreve as câmeras existentes no clube, a equipe de segurança e até as rotas de acesso ao local. “Na guarita de acesso, estão dois seguranças e um vigia no pátio, logo após a guarita está o salão ao qual será usado para votação”, diz um dos trechos.

Em seu despacho, Gabriela Hardt afirma que, durante as investigações, foi verificado que a antena do telefone de um dos bandidos esteve no bairro Bacacheri, onde está localizado o Clube Duque de Caxias. Os agentes federais também comprovaram que o mesmo celular esteve próximo ao local de residência de Moro e ao escritório de advocacia da mulher do senador.

No documento encaminhado a magistrada, a PF destacou que “as ações para a concretização do ataque ao senador Sergio Moro iniciaram-se, efetivamente, em setembro do ano passado, justamente no período eleitoral”. Na ocasião, Moro era candidato a senador pelo Paraná, cargo que ocupa hoje.

Os agentes federais apontaram também a atuação dos criminosos em Curitiba ao menos há seis meses, com presença de investigados na cidade, aluguel de imóveis e apuração da rotina de Moro e seus familiares.

O grupo planejava realizar ataques contra servidores públicos e autoridades, inclusive homicídios e extorsão mediante sequestro, de acordo com as investigações. Além de Moro, Lincoln Gakiya, promotor de Justiça de São Paulo era um dos alvos. Ao todo, nove pessoas foram presas e duas continuam foragidas.

De acordo com a PF, os ataques eram planejados em cinco unidades da federação: Rondônia, Paraná, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

Segundo os agentes, os criminosos utilizavam interlocutores para acessar o Detecta, programa do governo de São Paulo que utiliza imagens de trânsito para reconhecer um determinado veículo e checar por onde ele circulou. Em uma conversa por aplicativo de mensagens monitorada com autorização judicial, um dos integrantes pede a um comparsa que descubra onde esteve, nos dias anteriores, uma viatura não caracterizada da Polícia Civil paulista.

“Parceiro, precisava saber onde esse carro andou de sábado até hoje”, escreve o suspeito no diálogo captado, que inclui ainda uma foto da placa da caminhonete. “Consegue dar uma força para mim? Pra ver no Detecta lá”, prossegue. Os investigadores também encontraram no telefone uma imagem com diversas informações sigilosas sobre o automóvel oficial.

“Temos indicativo claro de que os investigados têm acesso a dados que deveriam ser sigilosos, o que permite a eles agir com desenvoltura na prática de crimes, pois conseguem identificar veículos das forças de segurança”, frisa o texto da representação policial, assinada pelo delegado Martin Bottaro Purper.

A operação da Polícia Federal foi baseada no relato de um ex-membro da organização que se converteu em testemunha protegida, depois de ser ameaçado de morte por um de seus líderes.(Mais detalhes na página 7).

Prestação de contas

Em mensagens trocadas por WhatsApp, criminosos apresentavam relatórios detalhados de despesas do monitoramento de Moro. Em uma das conversas interceptadas por policiais federais, os bandidos do grupo listaram custos com aluguéis de apartamentos, casas e chácaras, e também alimentação e combustível. Os imóveis, segundo a investigação, eram usados pelos integrantes da quadrilha e também serviriam como possíveis cativeiros. Em um dos momentos, que seria entre setembro e outubro do ano passado, os valores ultrapassam R$ 130 mil. Em outra conversa, ocorrida supostamente em 17 de fevereiro, o montante chega a R$ 356 mil.

Na análise do material extraído de telefones utilizados pelo grupo criminoso, há mensagens entre Janeferson Aparecido Mariano Gomes, apontado como integrante da cúpula da facção, e sua principal companheira, Aline de Lima Paixão. Em um dos trechos, ele escreve para ela: “Na linha, amor”, para informá-la sobre sua participação em uma reunião por videoconferência.

Nas imagens obtidas pelos investigadores com a quebra de sigilo telemático, há o registro fotográfico de um fuzil com seis carregadores e duas caixas de munição. “Vale ressaltar que a capacidade bélica dos criminosos é notória, tendo sido obtidas diversos registros fotográficos de armas variadas dentro de casas, sob móveis, indicando que efetivamente estão prontas para uso da organização criminosa”, afirmou a juíza federal Gabriela Hardt.