O Estado de São Paulo, n. 46753, 19/10/2021. Política p.A8

 

Governabilidade negativa trava agenda econômica

Rafael Cortez

O observador mais atento perceberia a mudança de valoração do sistema político brasileiro sob o prisma do encaminhamento das chamadas reformas estruturais. A suposta morosidade do presidencialismo de coalizão, responsável em última instância pelo crescimento "voo de galinha" da economia, deu lugar a um espanto em relação à velocidade no encaminhamento dos temas da agenda econômica e das instituições políticas do País.

A rapidez é especialmente marcante na Câmara dos Deputados, casa legislativa com maior custo de transação na apreciação das matérias. A crise política e a proximidade do calendário eleitoral foram insuficientes para travar a produção dos parlamentares.

A pouca relevância dos temas parece não explicar o sucesso legislativo dos parlamentares. Privatizações e a questão tributária fizeram parte do cardápio de temas discutidos no plenário. As reclamações sobre a falta de discussão e a pressa no encaminhamento das matérias não são exclusividade da minoria perdedora, mas atingem também os grupos apoiadores. A conjuntura política atual gerou uma governabilidade negativa à luz da agenda econômica.

Parte relevante da racionalização do parlamento é explicada por fatores políticos e institucionais. As restrições à mobilidade social trouxeram uma nova dinâmica. Além disso, deputados aprovaram mudança no regimento reduzindo o espaço para atuação das minorias. Há, contudo, um atributo de liderança política. O presidente da Câmara, Arthur Lira, tem papel-chave no encaminhamento dos projetos.

A imagem de um sistema com dois chefes de governo descreve bem o poder do presidente da Câmara nos rumos dos debates. Lira parece responder de forma eficiente ao mandato marcado especialmente pelo encaminhamento dos temas institucionais, especialmente na arena eleitoral/administrativa, combinado com presença crescente na destinação dos recursos orçamentários. Essa agilidade legislativa, contudo, parece não produzir um ciclo de desenvolvimento mais virtuoso. Ao contrário, uma parte dos agentes econômicos advoga pela paralisia dos temas estruturais para minimizar os riscos decorrentes dessa governabilidade. A paisagem política atual indica que mais do que a velocidade de aprovação é a capacidade de articulação entre as casas legislativas a variável essencial para que os textos "politicamente possíveis" deem contribuições realmente positivas para nossa trajetória de desenvolvimento. A fraqueza da liderança presidencial abriu espaço para o sistema com vários chefes de governo, cada um respondendo aos seus diferentes mandatos.