O Globo, n. 32737, 25/03/2023. Política, p. 6

Temendo trava a pautas, Lula tenta conter crise entre Lira e Pacheco

Bruno Góes
Gabriel Sabóia


Diante da elevada tensão entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), em torno do modelo de tramitação das Medida Provisórias (MPs), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com pneumonia, recebeu o deputado no Alvorada, a pedido do parlamentar, antes da viagem à China. Aliados de Lula estão preocupados com uma possível paralisação das pautas do governo, se a briga entre os presidentes das Casas não for resolvida. Pacheco determinou a instalação de comissões mistas para análises das MPs, o que contraria a vontade dos deputados e de Lira, que chamou a decisão de “truculenta”.

Ontem, em novos capítulos da disputa, Lira elevou o tom. Afirmou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a decisão sobre o rito das MPs “cabe ao Congresso e que não deve exigir atropelamento do Parlamento, especialmente porque não há prazo estabelecido para que as decisões políticas sejam tomadas”. O deputado também enviou ofício a Pacheco, no qual pede para que ele “se digne” a levar a matéria ao debate em plenário, para deputados e senadores, com espaço ao contraditório. Atualmente, as MPs são analisadas primeiro pelos deputados e depois vão ao Senado. A ideia dos senadores é retomar o modelo anterior, quando um colegiado composto por integrantes das duas Casas era o primeiro a se debruçar sobre os textos.

Na prática, na pandemia, o poder ficou concentrado com os deputados, que tinham mais tempo para analisar os projetos, garantindo a Lira o controle da pauta. Ao propor a volta das comissões mistas, conforme previsto na Constituição, o Senado tenta retomar o protagonismo. Em relação à manifestação ao STF, Lira atendeu a uma determinação do ministro Nunes Marques, relator de uma ação apresentada pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE). Vieira afirma que o presidente da Câmara “evitou o retorno da tramitação das propostas no formato previsto pelas regras internas do Legislativo”. Na resposta, Lira diz que o acionamento do STF serve para“tumultuar a atividade legislativa”.

Já o ofício enviado a Pacheco foi depois que o senador determinou a retomada das comissões mistas, por questão de ordem apresentada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Lira chamou a decisão de “truculenta”. “Solicito que Vossa Excelência se digne a convocar sessão do Congresso Nacional a fim de que a matéria seja formal e devidamente suscitada e decidida, facultando-se, dessa forma, o contraditório, com a participação ampla de senadores da República e também deputados federais”, disse.

O Executivo teme que as comissões sejam inviabilizadas sem a participação de deputados para debater pautas de interesse do governo. Entre as MPs que precisam ser analisadas, estão a estrutura do governo, além de pautas econômicas como o desempate por voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que pode render mais arrecadação. Segundo aliados, na primeira reunião de ontem, entre integrantes do governo, Lula pediu a Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e aos líderes do governo que lhe “brifassem” sobre como ele deveria tratar a crise no Congresso.

Os líderes na Câmara, no Senado e no Congresso — José Guimarães (PT-CE), Jaques Wagner (PT-BA) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), respectivamente — disseram então que era necessário persuadir Lira a não colocar obstáculos às comissões mistas. Se o impasse for resolvido, o governo trabalha com a possibilidade de instalar comissões de pelo menos sete MPs na próxima quarta-feira (os textos em questão expiram em 1º de junho). A ideia era que Lula pudesse fazer apelo para que o deputado aceitasse a decisão de Pacheco. Mas, segundo Padilha, o rito não foi discutido na reunião com Lira.

— O presidente Lira garantiu que tem compromisso com o conjunto dos temas (de interesse do governo), como dar celeridade ao marco fiscal. Não entrou em detalhes do rito (das MPs).

De acordo com Padilha, a questão deve ser resolvida no início da próxima semana.

— A conversa tem a ver com o bom diálogo — disse Padilha, se esquivando a responder se o governo defenderia uma posição em relação ao caso e se temia a perda de validade das MPs.