O Estado de São Paulo, n. 46755, 21/10/2021. Economia p.B5

 

A corrida dos R$ 600

Na disputa eleitoral com Jair Bolsonaro, o ex-presidente Lula puxou a fila da corrida para subir o valor do novo programa social do governo, o Auxílio Brasil. Nas redes sociais, Lula desafiou o presidente a subir o benefício de R$ 400 para R$ 600 e botou mais combustível na briga em torno do sucessor do programa Bolsa Família.

“O PT defende um auxílio de R$ 600 desde o ano passado. O povo precisa. Ele tem que dar. Se vai tirar proveito disso, problema dele”, escreveu o ex-presidente.

Uma estratégia bem calculada para se contrapor ao seu adversário político, reforçar que o que o governo está oferecendo à população de baixa renda é pouco e esticar a corda do presidente Bolsonaro.

A posição de Lula consolida a percepção de que a disputa não termina depois que o governo apresentar todo o desenho e financiamento para bancar o Auxílio Brasil de R$ 400.

Governistas não escondem que na votação no Congresso vão subir o benefício para R$ 500. Com apoio dos parlamentares dos partidos de esquerda, é um pulo para R$ 600, mesmo valor do auxílio emergencial do início da pandemia. Quando presidente, Lula não soltou o gasto para turbinar o programa criado por ele há exatos 18 anos. Manteve o Bolsa Família com reajustes controlados. Mas ele tinha a seu favor uma zona de conforto que Bolsonaro não tem. É o pai do programa e sempre pode capitalizar para ele o ganho político. A proposta de subir o valor do benefício para R$ 600 (o dobro dos R$ 300 acertados inicialmente pela área econômica) pode se transformar numa armadilha e criar um problema para ele no futuro. Se ganhar a eleição, vai ficar com esse valor carimbado.

O andar da carruagem dessa discussão é preocupante. O reforço do programa é necessário com o aumento da fome e da pobreza extrema. Mas tem de sobrar recursos para investir em outras áreas para puxar o crescimento e o emprego.

É preciso um ponto de equilíbrio, mesmo que seja necessária uma mudança das regras fiscais com transparência, zelo, planejamento e boa comunicação. E não com um drible fiscal para ganhar eleição a todo custo, como tentam os bolsonaristas.

Um seguidor do ex-presidente resumiu muito bem o dilema e o tamanho do problema ao responder ao seu tuíte: “Pode ser Lula, sei que as pessoas precisam nesse momento. Mas cortar tudo da ciência, educação e saúde para direcionar dinheiro para criar um programa e se promover é errado. No meu doutorado consegui fazer uma bactéria virar adubo e terei que sair da ciência por não ter renda”. Sem mais.