O Globo, n. 32740, 28/03/2023. Política, p. 6
Lira recua e acena com solução para crise das MPs
Gabriel Sabóia
Após uma crise com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aceitou uma proposta apresentada por líderes partidários sobre uma nova forma de tramitação das medidas provisórias. Pelo formato sugerido, as MPs poderiam começar a ser analisadas por comissões mistas, desde que sejam compostas por mais deputados do que senadores.
Pela legislação atual, 12 parlamentares de cada Casa compõem a comissão mista. Como Lira já defendia, a alteração prevê uma proporcionalidade de três deputados para cada senador no novo formato. O argumento de Lira era que a Câmara tem mais integrantes, 513, do que o Senado, com 81.
Além disso, o prazo de tramitação passaria a ser estabelecido de forma a não deixar os senadores com menos tempo de análise. O Senado reclama que, atualmente, acabam tendo que chancelar o que foi aprovado pela Câmara sem discussão nem oportunidade de modificar o texto, para evitar que as MPs —normas com força de lei editadas pelo presidente da República—percam a validade.
O acordo foi redigido em uma reunião que durou aproximadamente três horas na residência oficial do presidente da Câmara e contou com a presença de lideranças de partidos de diferentes posições no espectro político. A expectativa era que Pacheco e Lira se encontrassem ainda ontem para um debate sobre os pontos que são motivo de impasse. No início do mês, Lira chegou a chamar as comissões mistas para análise de MPs de “antidemocráticas”.
Enquanto o novo formato ainda não sai do papel, o presidente da Câmara disse que já há um acordo com o governo federal para que quatro MPs consideradas prioritárias pelo Planalto tramitem no esquema válido no período anterior à pandemia da Covid-19, com 12 deputados e senadores. Entre essas normas estão a que institui a organização ministerial atual e regula o programa Minha Casa Minha Vida.
— A única possibilidade de a Câmara admitir uma comissão mista é obedecendo a uma proporção de três deputados para cada senador. É algo razoável. Também podemos estabelecer prazos melhores. Caso não tenhamos acordo, o governo fez um apelo para que três ou quatro medidas emergenciais sigam o rito atual. Caso nada possa ser feito, é a prova de que o Senado não quis fazer acordo. Sigo tentando uma agenda com o presidente Pacheco para debater isto —afirmou Lira.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PTCE), acrescentou que espera ver o acordo selado nos “próximos dois ou três dias” e que conversará com Lula e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
— O que não pode é este impasse prejudicar a população, impedindo a votação de MPs do governo.
A tramitação das MPs se tornou o principal ponto de tensão entre Lira e Pacheco nesta legislatura. Atualmente, as MPs são analisadas primeiro pelos deputados e depois vão ao Senado. A ideia dos senadores é retomar o modelo anterior, que vigorou até o início da pandemia, pelo qual um colegiado composto por integrantes das duas Casas era o primeiro a se debruçar sobre os textos. Na prática, na pandemia, o poder ficou concentrado com os deputados, que tinham mais tempo para analisar os projetos, garantindo a Lira o controle da pauta. Ao propor a volta das comissões mistas, conforme previsto na Constituição, o Senado tenta retomar o protagonismo.
Mediação do conflito
A crise entre os presidentes das duas Casas fez com que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrasse em campo para mediar o conflito: mesmo com pneumonia, Lula recebeu Lira na última sexta-feira. As divergências atuais podem atrapalhar a votação de propostas de interesse do Executivo.
Após Pacheco determinar a retomada das comissões mistas, respondendo uma questão de ordem do senador Renan Calheiros (MDB-AL), Lira chamou a decisão de “truculenta”, em ofício ao presidente do Senado. Lira e Renan são adversários políticos em Alagoas.
“Solicito que vossa excelência se digne a convocar sessão do Congresso Nacional a fim de que a matéria seja formal e devidamente suscitada e decidida, facultando-se, dessa forma, o contraditório, com a participação ampla de senadores da República e também deputados federais”, escreveu.
O presidente da Câmara também convocou sessão extraordinária ontem para votar três MPs do governo de Jair Bolsonaro.
Em meio à queda de braço, uma saída estudada foi a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição( PEC) para que as medidas provisórias começassem a tramitar de forma alternada nas duas Casas. A proposta não avançou, porém, porque Pacheco queria que a PEC começasse a ser discutida pelo Senado, o que levaria os senadores a darem a palavra final sobre o assunto.