O Globo, n. 32741, 29/03/2023. Economia, p. 11

Mensagem reforçada

Renan Monteiro
Alvaro Gribel


Menos de uma semana depois de surpreender o governo com um comunicado em tom duro, o Banco Central (BC) reforçou a mensagem ao divulgar a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na qual decidiu manter pela quinta vez seguida a taxa básica de juros em 13,75% ao ano. Segundo a autoridade monetária, a queda dos juros exige “paciência e serenidade”. O texto faz acenos à equipe econômica, ressaltando o compromisso do Ministério da Fazenda com a execução do pacote fiscal, mas reforça que é necessária a apresentação de um novo arcabouço fiscal “sólido e crível”. A autoridade monetária aproveitou ainda para mandar um recado ao BNDES, ao demonstrar preocupação com o risco de o banco de fomento voltar a oferecer crédito subsidiado.

Para analistas de mercado, a ata representa um sinal claro de qual caminho será adotado na política monetária, sem margem para queda de juros no curto prazo, apesar das repetidas críticas e cobranças do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de outros integrantes do governo. O BC reiterou ainda que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste” caso a inflação não caia.

Haddad: ‘Mais condizente’

O texto deixa claro que a apresentação do arcabouço por si só não é garantia de recuo das estimativas de inflação e da taxa de juros. É preciso que ele seja considerado sólido e crível para “levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas, ao reduzir as expectativas de inflação, a incerteza na economia e o prêmio de risco associado aos ativos domésticos”. Na prática, apresentar um arcabouço eficaz não resolve o problema da noite para o dia, mas facilita o processo.

Mesmo com recados claros ao governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a ata veio “com termos mais condizentes” do que o comunicado da semana passada. Na reunião anterior, o comunicado também foi alvo de insatisfação, mas a leitura foi que a ata trazia uma visão mais adequada ao contemplar os esforços do governo no lado fiscal.

— Está em linha com o comunicado. Mas, da mesma forma que aconteceu com o Copom anterior, a ata, com mais tempo de preparação, veio com termos mais condizentes com as perspectivas futuras de harmonização da política fiscal com a política monetária, que é nosso desejo desde sempre —afirmou Haddad, que na semana passada se referiu ao comunicado do BC como “muito preocupante”.

Ontem, Haddad declarou que o BC teria como responsabilidade ajudar o governo no objetivo de garantir o crescimento econômico do país aliado ao combate à inflação:

— O Banco Central também tem que nos ajudar. É um organismo que tem dois braços, um ajudando o outro. Eu sempre insisto nesta tese, porque dá a impressão de que um é espectador do outro, e não é assim que a política econômica tem que funcionar. São dois lados ativos concorrendo para o mesmo propósito e objetivo, que é garantir crescimento com baixa inflação.

O BC também falou sobre a piora das expectativas, que foram afetadas pelas discussões, provocadas pela presidente Lula, de mudança nas metas de inflação.

Metas de inflação

“As expectativas de inflação seguiram um processo de desancoragem, em parte relacionado ao questionamento sobre uma possível alteração das metas de inflação futuras. O Comitê avalia que a credibilidade das metas perseguidas é um ingrediente fundamental do regime de metas de inflação e contribui para o bom funcionamento do canal de expectativas, tornando a desinflação mais veloz e menos custosa. Nesse sentido, decisões que induzam uma reancoragem das expectativas reduziriam o custo desinflacionário e as incertezas associados a esse processo”, afirmou o texto.

Para Natalie Victal, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, o tom “didático” da ata não muda os efeitos práticos da mensagem do BC, já presentes no comunicado.

— É uma ata que vai na direção contrária da discussão de antecipação de cortes. Há o foco nas expectativas de inflação, pois é o canal que será afetado pelo arcabouço fiscal. Ou seja, não há relação automática entre apresentação do arcabouço e decisões do Copom. Seguimos com nossa projeção, com o início do ciclo de cortes de juros em setembro.

De olho no arcabouço

As projeções de inflação do Copom no seu cenário de referência estão em 5,8% para este ano e em 3,6% para 2024. Os percentuais representam aumento em relação a fevereiro, quando trabalhava com 5,6% e 3,4%, respectivamente.

“O Comitê seguirá acompanhando o desenho, a tramitação e a implementação do arcabouço fiscal que será apresentado pelo Governo e votado no Congresso”, diz a ata, em referência indireta ao fato de a nova regra fiscal não ser definitiva após aval do governo, e sim após aprovação no Congresso.

Para o economista Sérgio Vale, da MB Associados, o BC foi mais explícito nas preocupações quanto à qualidade do arcabouço fiscal. Para ele, a regra será fundamental para que o banco possa começar a cortar os juros, mas isso dependerá do projeto que for divulgado:

— O BC foi mais explícito em suas preocupações e colocou claramente que não basta apresentar qualquer arcabouço fiscal. A credibilidade da nova regra, bem como a aprovação dela, são essenciais para o banco se movimentar.

Ao mesmo tempo, diz ele, o BC pontuou em vários momentos para se evitar as medidas parafiscais e a desconexão de juros subsidiados do resto do mercados, o que na visão do economista, é um “recado direto para o BNDES não reinventar subsídios”

— Não creio que o BC suavizou para o governo. Ele mostrou as necessidades de mudança explicitamente. Surge como um aviso para o governo não pegar um caminho equivocado novamente.

No mercado, o dólar fechou em baixa de 0,81%, a R$ 5,16, e a Bolsa subiu 1,52%, aos 101.185 pontos repercutindo a ata e a expectativa pelo arcabouço fiscal.