O Globo, n. 32741, 29/03/2023. Política, p. 4
Falta de sintonia
Lauriberto Pompeu
Após mais uma tentativa frustrada de acordo entre os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PPAL), o Palácio do Planalto articula para que a desavença sobre as regras de tramitação das Medidas Provisórias não prejudique o andamento de projetos estratégicos do governo. Diante do impasse entre os dois, que têm um histórico de falta de sintonia, o Executivo acertou com os representantes das duas Casas que as MPs mais importantes serão apreciadas de acordo com regras que vigoravam até a pandemia de Covid-19. As demais serão reenviadas como projetos de lei, com regime de urgência.
Na lista de medidas provisórias consideradas prioritárias, que deverão avançar pelo rito antigo, passando por comissões mistas, está a que reestrutura o primeiro escalão do governo, criando e extinguindo ministérios. Há ainda a que define as novas regras de programas sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida, tratados pelo Planalto como fundamentais para o sucesso do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A estratégia definida pelos aliados do petista foi costurada pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, como revelou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, e acertada por líderes do governo e de partidos da base com Pacheco e Lira. O plano se apoia num histórico recente de falta de harmonia entre os presidentes da Câmara e do Senado. A mais recente delas evoluiu para um embate público sobre o melhor formato de tramitação das medidas provisórias.
Idas e vindas
Pacheco defende a retomada do modelo que vigorava até a pandemia. As MPs começavam a ser analisadas por comissões mistas, formadas pelo mesmo número de deputados e senadores, e depois seguia para os plenários das respectivas Casas.
Na tentativa de dar celeridade à apreciação de propostas durante a pandemia, as MPs começaram a tramitar pela Câmara, sem passar pelos colegiados. Agora, Lira não aceita a volta da antiga regra. Ele argumenta que, como há 513 deputados e 81 senadores, as comissões mistas devem contar com mais representantes de uma Casa do que da outra. A eventual mudança deverá ser sacramentada com a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o assunto.
— A única possibilidade de a Câmara admitir uma
Os caminhos das MPs
As soluções desenhadas para destravar a pauta comissão mista é obedecendo a proporcionalidade de outras comissões, como a CMO (Comissão Mista do Orçamento), com proporção de três deputados para cada senador. Também podemos estabelecer prazos melhores. Caso não tenhamos acordo, o governo fez um apelo para que três ou quatro medidas emergenciais sigam o rito atual. Caso nada possa ser feito, é a prova de que o Senado não quis fazer acordo — afirmou o presidente da Câmara.
A sugestão de Lira, entretanto, foi rechaçada por Pacheco ontem, dando sobrevida à crise entre os dois parlamentares, que se reuniram para tentar pôr fim ao cabo de guerra. O senador alega que o modelo defendido pelo colega é “desequilibrado” e infringe o regimento interno do Congresso Nacional.
— O que propõe a Câmara é uma exceção das comissões mistas de Medida Provisória. Essa exceção, a princípio, encontra dificuldades em relação não só à realidade praticada até aqui, mas também à força do regimento interno —declarou em entrevista coletiva.
O presidente do Senado argumentou ainda que a sugestão do chefe da Câmara só valeria para as futuras Arthur Lira, Rodrigo Pacheco, medidas provisórias e defendeu que os textos já editados sigam as regras atuais. Apesar de deixar claro a contrariedade com a proposta, Pacheco afirmou que vai levá-la aos líderes da Casa que ele preside. No fim da tarde, o presidente do Senado foi recebido por Lula para tratar do tema. Depois do encontro, que durou cerca de duas horas, o parlamentar emitiu uma nota oficial
em que se limitou a dizer que avisou ao petista que continuará “trabalhando no encaminhamento da busca de um consenso”. Também participaram da reunião Padilha e os líderes do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Embora continuem divergindo sobre o caminho que as MPs devem percorrer no Congresso, Lira e Pacheco concordaram num ponto, também defendido pelo Planalto. Serão estabelecidos prazos para que projetos dessa natureza sejam discutidos nas comissões e pelos plenários das duas Casas. As Medidas Provisórias entram em vigor no ato da publicação, mas precisam ser chanceladas pelo Parlamento em até 120 dias para não perderem o efeito. Por isso, o governo teme que alguns dos textos já enviados ao Congresso percam a validade. A MP que restrutura o primeiro escalão, por exemplo, vale até junho.
Desentendimentos
A queda de braço da vez engrossa uma lista de desentendimentos entre Pacheco e Lira. Com frequência, a Casa comandada por um não dá seguimento a projetos caros à outra. Na semana passada, a Câmara aprovou a toque de caixa uma proposta que inocenta réus quando houver empate no julgamento, inclusive de ações penais, benefício que hoje só é concedido em análise de habeas corpus em tribunais superiores. A proposta, que tem Lira como entusiasta, não vai avançar no Senado. O mesmo ocorreu com o projeto de lei que flexibiliza as regras de nomeações de políticos para as estatais. Nesse caso, porém, o governo atuou para que a matéria não fosse apreciada no Senado.
Por outro lado, um projeto de lei de autoria do próprio Pacheco, que determina mudanças na Lei do Impeachment, vai encontrar dificuldades para ser aprovado pelos deputados. O texto dá um prazo de 30 dias para que o pedido de afastamento seja analisado. Caso não haja resposta, a solicitação é automaticamente arquivada. A proposta reduz o poder de pressão do presidente da Câmara sobre o Planalto.
A troca de acusações ocorre desde a legislatura passada. Em 2021, após a Câmara aprovar um texto de reforma política prevendo o retorno das coligações em eleições proporcionais, o que favorece a multiplicação de siglas de aluguel, Pacheco chamou a medida de “retrocesso” — este item foi rejeitado pelo Senado. Outra contenda ocorreu durante um projeto que mexia no Imposto de Renda. Lira disse que a Câmara estava “cumprindo o papel” em relação às pautas econômicas e cobrou uma atuação mais firme da Casa vizinha, ao dizer que o Senado precisava “se posicionar também”. Pacheco retrucou, afirmando que havia uma série de projetos aprovados no Senado aguardando a análise dos deputados.
— Nem por isso eu digo que a Câmara está deixando de cumprir o seu papel — disse o senador à época.