Título: Pacientes desistem de esperar
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 17/09/2005, Rio, p. A13
Depois de seis anos de espera, Kátia Correa, 36 anos, 1,67 de altura e 288 quilos, desistiu de fazer a cirurgia de redução de estômago no Hospital de Ipanema. Ela cansou das idas intermináveis até o hospital para ter notícias sobre a data da operação. Hoje, por causa das fortes dores na perna, ela passa os dias sentada no sofá de sua casa, em Brás de Pina. Sem dinheiro para pagar um plano de saúde, Kátia divide com outras dezenas de obesos o medo de morrer antes de receber ajuda. - Muitas vezes eu penso que vou morrer sufocada. Tenho que ficar com um ventilador ligado em frente ao meu rosto - contou Kátia.
Segundo ela, que gasta mensalmente quase R$ 300 com remédios, no período em que esteve cadastrada no Hospital de Ipanema, chegou a fazer alguns exames para a operação, que nunca foi marcada. Os motivos, lembra Kátia, eram sempre os mesmos: faltavam profissionais e equipamentos.
Sua única esperança para fazer a cirurgia é o credenciamento do Hospital Clementino Fraga Filho no Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto os entraves burocráticos para a questão não são resolvidos, Kátia sofre com as complicações da obesidade. Ela tem problemas cardíacos e hipertensão.
- Cada vez que saio de Brás de Pina tenho que pagar R$ 30 para o transporte numa Kombi. Não posso fazer a minha higiene pessoal sozinha, como cortar as unhas dos pés ou ir ao banheiro - disse.
Além das limitações físicas, Kátia conta que não tem dinheiro para comprar os grampos usados na operação. O kit custa cerca de R$ 3.200 mil. Segundo Rosimere Lima da Silva, presidente do Grupo de Resgate a Auto-estima e Cidadania do Obeso, os grampos são fornecidos pela prefeitura, mas apenas as pessoas que entram na justiça conseguem a liberação do kit. A Secretaria Municipal de Saúde informou que no início do ano, por causa de dívidas do Ministério da Saúde com servidores federais aposentados, a prefeitura teve dificuldades para distribuir os grampos. Ainda segundo o município, depois que o Hospital de Ipanema - único cadastrado para cirurgia - foi devolvido à União, a distribuição dos grampos é de responsabilidade do Ministério da Saúde.
Para Paulo Roberto Crissafe, 55, que também desistiu da cirurgia no Hospital de Ipanema após seis anos de espera, a falta de grampos e as dificuldades dos hospitais para a realização das cirurgias refletem a crise na saúde pública do Rio.
- A obesidade é pior que o câncer. Posso morrer sem tratamento - disse Crissafe, que também sofre de problemas cardíacos.
Com 1,69 de altura e 155 quilos, Crissafe conta que, há cinco anos, por causa da obesidade, perdeu o emprego como gerente numa transportadora. Ele vive com a mulher e os filhos na Ilha do Governador. De casa, Crissafe só sai de carro com a ajuda da família. O alto peso o impede de andar de ônibus. Nos últimos dez anos, depois de várias dietas, Crissafe emagreceu 53 quilos e engordou outros 70.
Apesar da ansiedade dos obesos para fazer a cirurgia bariátrica, o psicólogo Luiz Alberto Py lembra que os pacientes devem fazer terapia depois do procedimento.
- O acompanhamento psicológico é importante para que as pessoas possam administrar bem a transformação da sua imagem corporal. A gordura é um processo compulsivo com a comida e, depois da cirurgia, é provável que esta compulsividade apareça em outra área - alerta o psicólogo.