O Estado de S. Paulo, n. 46724, 20/09/2021. Metrópole, p. A10

Discussão da pauta ambiental deveria ser mais ‘densa’

Entrevista: Roberto Waack, biólogo


A falta de enfrentamento do governo federal às situações de desmatamento, queimadas, grilagem, garimpo ilegal e ao crescimento exacerbado do narcotráfico na Amazônia têm colocado o Brasil na berlinda no cenário internacional. Com isso, na avaliação de Roberto Waack, biólogo e presidente do conselho do Instituto Arapyaú, o País perde a oportunidade de se colocar à frente das principais discussões ambientais e de guiar o planeta para soluções sustentáveis.

Waack é um dos idealizadores do grupo Uma Concertação pela Amazônia, que reúne mais de 400 empresários, economistas, pesquisadores, políticos e sociedade. Ele defende um reposicionamento brasileiro no debate sobre a pauta ambiental. "Essa discussão, que deveria ser muito mais densa, traz muito mais oportunidades do que problemas para o Brasil. A gente não está conseguindo fazer", lamenta o biólogo, que presidiu a Fundação Renova, criada em 2016 para reparar os danos do rompimento da barragem em Mariana, em Minas Gerais.

A sociedade civil, a academia e as empresas nacionais têm conteúdo para oferecer ao mundo um diálogo mais qualificado, adverte ele. "Chegou o momento de o Brasil se colocar no mundo. A gente tem de reocupar esse espaço, e não estar nessa posição de pária, de vilão, pelo modo como temos tratado esse patrimônio ultimamente", acrescenta. Ele foi um dos convidados da Virada Sustentável 2021, evento que tem o Estadão como parceiro e vai até dia 22.

Qual deve ser a prioridade na articulação entre o setor público e o privado na busca de soluções sustentáveis?

O tema ESG ou sustentabilidade, por princípio, pressupõe uma relação das pessoas, comunidades e atores que acabam, de alguma forma, sendo afetados pelas ações tanto de governos quanto de empresas. Essas empresas e atividades produtivas produzem coisas que são chamadas de externalidades. As empresas, por exemplo, produzem lixo, poluição, bens sociais, educação. Quem paga o pato ou quem ganha o pato? A sociedade. Esses bens e serviços precisam se envolver profundamente em como essas externalidades e impactos são. Se negativos, eliminados. Se positivos, potencializados.

Como funciona o projeto do Instituto Arapyaú no sul da Bahia? E o que já retorna para o pequeno produtor de cacau?

O papel, de alguma maneira, do Arapyaú é de facilitar o encontro de todos os agentes para que os encaminhamentos não só das atividades produtivas, mas também os da política, da ciência, etc, sejam compartilhados. Uma das discussões é como aumentar a produtividade do cacau na região. Esse aumento não é apenas técnico. O sistema de crédito ao produtor e a logística são fundamentais.

De que forma a Concertação pela Amazônia levará a região às pautas das eleições em 2022?

Um dos desafios da Concertação é buscar um ambiente em que a Amazônia seja amplamente discutida pela sociedade brasileira, que as iniciativas da ciência, tecnologia, da universidade, da filantropia, das empresas e dos governos se encontrem. Talvez assim a gente consiga estabelecer uma visão de longo prazo para a região. E aí entram as eleições. Essa visão de longo prazo precisa ser discutida em todos os processos eleitorais, em âmbito federal e estadual. A Amazônia não tem sido pauta das grandes discussões dos movimentos políticos que ocorrem no Brasil. Uma das contribuições que a gente acredita ser importante é ajudar a melhorar esse repertório político sobre as propostas políticas dos diversos candidatos que, de alguma maneira, incluem a Amazônia.

Você fala muito de governos. As turbulências ambientais da gestão federal prejudicam a articulação entre os setores nacionais e internacionais?

Sim. Infelizmente, a imagem do Brasil, por causa do que tem acontecido na Amazônia, tem sido muito negativamente afetada. É uma discussão que precisa ter maior profundidade, tanto no âmbito nacional quanto no internacional. Uma das questões que a gente traz na Concertação é que não existe uma Amazônia, existem múltiplas amazônias. E se não tratarmos desse território com a heterogeneidade que ele tem, a gente acaba sendo superficial demais.