O Globo, n. 32741, 29/03/2023. Política, p. 8

PF mira joias sauditas de R$ 18 milhões a Bolsonaro

Bela Megale
Alice Cravo
Bruno Góes
Paolla Serra


A Polícia Federal deve abrir uma nova investigação que tem como foco a relação entre Jair Bolsonaro, o regime da Arábia Saudita e o possível crime de corrupção. Como revelou ontem o jornal O Estado de S. Paulo, o ex-presidente recebeu um terceiro conjunto de joias — ao todo, os presentes sauditas que vieram à tona estão avaliados em cerca de R$ 18 milhões.

Os investigadores já receberam as informações sobre este novo pacote, entregue em 2019, assim como toda a lista de presentes recebidos no período em que ele ocupou a Presidência. O foco da PF em uma nova investigação seria a motivação da entrega de presentes de valores tão elevados ao ex-presidente pela Arábia Saudita.

Quando a primeira leva foi revelada, embaixadores ouvidos pelo GLOBO já haviam relatado estranhamento com o montante, que aumentou com os presentes noticiados ontem. A Comissão de Ética da Presidência da República também abriu uma investigação para apurar a participação de servidores públicos no caso. O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) informou que pedirá à Corte que determine a devolução destes itens.

O mais novo conjunto de peças está avaliado em cerca de R$ 560 mil. Há um relógio Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes, e uma caneta da marca Chopard prateada, com pedras incrustadas. O regime saudita também entregou a Bolsonaro um par de abotoaduras em ouro branco ornadas com um brilhante no centro e rodeadas por diamantes; um anel em ouro branco com diamantes com corte longo e retangular, chamado no exterior de “baguette“; e uma “masbaha“(um tipo de rosário árabe) de ouro branco com pingentes cravejados em brilhantes. O ex-mandatário levou consigo a caixa com itens de luxo no fim do ano passado, quando deixou o cargo, e as incorporou ao seu acervo pessoal, segundo o jornal.

As peças teriam sido entregues em mãos para Bolsonaro. O ex-presidente, de acordo com o jornal, foi presentado durante viagem oficial a Riad, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019. Na ocasião, ele participou de um almoço oferecido pelo rei saudita Salman Bin Abdulaziz Al Saud.

Bolsonaro teria voltado com o conjunto de joias para o Brasil. No dia 8 de novembro de 2019, o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência incorporou os itens a seu acervo privado, por ordem do ex-presidente.

De acordo com o jornal, as peças que compõem a caixa de joias foram especificadas, um a um, no formulário de encaminhamento de presentes para o titular do Palácio do Planalto. Nele, há um campo para incluir a informação se “houve intermediário no trâmite”. A resposta que consta no documento é “não”.

Em 6 de junho do ano passado, Bolsonaro solicitou que o conjunto de joias ficasse com ele. Por determinação do ex-presidente, dois dias depois os itens foram encaminhados para seu gabinete. Nesta data, os registros oficiais informam que as peças de luxo estavam “sob a guarda do Presidente da República”.

Também de acordo com O Estado de S. Paulo, Bolsonaro usou um imóvel do ex-piloto Nelson Piquet, seu apoiador, para guardar, depois do mandato, presentes que recebeu na Presidência, a exemplo das joias. Piquet não foi localizado pelo GLOBO para comentar.

Após a divulgação do caso, a defesa de Bolsonaro informou que o terceiro conjunto de joias está à disposição para “apresentação e depósito”. Em nota, os advogados Paulo Amado da Cunha Bueno e Daniel Bettamio Tesser afirmaram que os bens foram devidamente registrados, catalogados e incluídos no acervo da Presidência da República.

“Todo o acervo de presentes recebidos pelo ex-presidente, em função do relevante cargo que exercia, será submetido a auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), assim como ocorreu com os mandatários anteriores”, diz o comunicado.

Na semana passada, Bolsonaro entregou, por determinação do Tribunal de Contas da União, outro conjunto com relógio avaliado em cerca de R$ 1 milhão. O ex-presidente tentou reaver também um conjunto de R$ 16,5 milhões, com colar, brincos e outras peças de diamantes, que foi retido pela Receita Federal —as peças teriam como destinatária a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Na ocasião, os presentes foram trazidos, sem declaração, pela comitiva do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, ao retornar Arábia Saudita. Um fuzil e uma pistola, dados de presente pelos Emirados Árabes Unidos, foram entregues à Polícia Federal.

Não é “personalíssimo”

O TCU estipulou que presentes de caráter “personalíssimo” ao presidente da República excluem aqueles de valor elevado, caso das joias. Camisas, por exemplo, se encaixam.

Hoje, a PF já apura a entrada irregular das joias e a tentativa de Bolsonaro de reaver o jogo de diamantes — nesta investigação, a tendência é que Bolsonaro seja indiciado por peculato. Delegados da corporação avaliam, porém, que é necessária a instauração de uma nova apuração para focar no possível crime de corrupção sobre a relação do ex-presidente com o regime saudita. Esse inquérito só deve ser instaurado após a conclusão do primeiro.