O Estado de São Paulo, n. 46760, 26/10/2021. Metrópole p.A17
Nível de CO2 bate recorde e parte da Amazônia vira emissora de gás estufa
Mesmo com a redução de emissões na pandemia, a concentração de dióxido de carbono (CO2), principal gás responsável pelo efeito estufa, atingiu novo recorde ao ficar em 413 partes por milhão (ppm), em 2020, conforme alerta feito ontem pela Organização Meteorológica Mundial (OMM). O aumento do dióxido é de 0,6% ante 2019. Se comparado aos níveis pré-industriais, em 1750, os níveis de CO2 são 49% maiores. A entidade também aponta que partes da Amazônia já se tornaram emissoras de gás carbônico.
A agência das Nações Unidas (ONU) também prevê que, ao fim de 2021, os níveis de CO2 na atmosfera devem superar o recorde de 2020. A OMM estima que as medições do meio do ano, em observatórios como o de Tenerife (Espanha) e Havaí (EUA), podem indicar concentrações de até 419 ppm, o que não se via havia pelo menos 3 milhões de anos.
Outros gases responsáveis pelo efeito estufa também registraram aumento no ano passado, em comparação com 2018. As concentrações de metano (CH4) e óxido de nitrogênio (N2O) já são, respectivamente, 262% e 123% superiores às de 1750. A paralisação de setores importantes da economia global em 2020 – com a queda da atividade industrial e da circulação de veículos – motivou redução temporária nas novas emissões de CO2. Os lançamentos de gases derivados de combustíveis fósseis apresentaram queda de 5,6%. Porém, conforme a OMM, isso “não teve efeito perceptível nos níveis de gases de efeito estufa”, embora o crescimento anual na concentração de CO2 tenha sido ligeiramente menor. “Na atual taxa de aumento nas concentrações de todos esses gases, veremos aumento de temperatura muito maior do que as metas de 2 ºc do Acordo de Paris (pacto climático de 2015, assinado por 195 países)”, afirma Taalas. Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26), a ser realizada em Glasgow, a agência espera mostrar que os países devem tomar medidas urgentemente. “Muitas nações estão agora estabelecendo metas de neutralidade de carbono, e é de se esperar que, na COP-26, haja aumento dramático desses compromissos”, diz Taalas.
SUMIDOUROS. Conforme a agência, metade do CO2 emitido pela ação humana fica na atmosfera e a outra é absorvida por oceanos e ecossistemas terrestres (chamados de sumidouros). A quantidade que permanece, por sua vez, indica o equilíbrio entre sumidouros e fontes emissoras, que muda anualmente por causa da variabilidade natural.
Nos últimos 60 anos, os sumidouros terrestres e oceânicos cresceram proporcionalmente com a alta das emissões, diz a OMM. Porém, a capacidade de absorção é influenciada negativamente pelas mudanças climáticas – fenômeno que já ocorre na Amazônia. A OMM informou que áreas da porção oriental da floresta deixaram de ser sumidouros e se tornaram fontes emissoras de CO2. “As regiões da Amazônia oriental têm aumento de temperaturas muito forte na estação seca, diminuição de chuvas e grande desmate, durante os últimos 40 anos.” A região ocidental, por sua vez, apresenta baixos níveis de emissão ou são sumidouros do principal gás de efeito estufa, por ter menos interferência humana. Um estudo liderado por uma pesquisadora do Inpe, e publicado na Nature em julho, já havia indicado essa tendência.
DINHEIRO. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirmou ontem que uma meta dos países desenvolvidos de enviar US$ 100 bilhões às nações em desenvolvimento com foco em ações climáticas deve ser atingida só em 2023. Em análise, a entidade aponta que a meta de mobilizar US$ 100 bilhões/ano nessa frente estava prevista para 2020 e seria sustentada até 2025. Mas a mais recente avaliação do tema, publicada em setembro, mostrou que finanças climáticas proveram e mobilizaram US$ 79,6 bilhões dos países desenvolvidos, com alta de só 2% ante 2018.
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Pereira Leite, defendeu que o Brasil chegue ao encontro com “consenso” multilateral em assuntos como financiamento da mudança climática e mercado de carbono. “O Brasil tem feito seu papel; outros países, como os EUA, não conseguem fazer.”
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ANÁLISE: Paulo Artaxo
O crescimento das concentrações de gases de efeito estufa continua, apesar dos alertas do último relatório do IPCC de que temos de reduzir rapidamente as emissões desses gases. Esse é mais um alerta aos governos de que não estão fazendo suas lições de casa, incluindo o brasileiro. A última vez que uma concentração comparável de CO2 foi registrada na Terra foi entre 3 milhões e 5 milhões de anos atrás, quando a temperatura do planeta era 2 a 3 graus mais quente, com o nível do mar entre 10 e 20 metros mais alto que hoje. Mas o aumento nas concentrações não é só do CO2, pois observamos que o metano tem hoje concentrações 262% maiores que em 1750. O N2O tem concentrações 262% maiores que em 1750. Esses gases são emitidos principalmente pela produção de carnes e atividades agropecuárias.
A continuidade das emissões está associada ao aumento da temperatura e da ocorrência de fenômenos climáticos extremos, como a seca que estamos tendo no Brasil central. Importante salientar que a meia-vida atmosférica do CO2 é de vários séculos, portanto estamos realizando mudanças climáticas que podem ser muito duradouras, e trazem dificuldades enormes para que as próximas gerações possam produzir alimentos e tenham disponibilidade de água como atualmente.
O relatório da Organização Meteorológica Mundial também coloca que, de 1990 a 2020, o efeito de aquecimento do CO2 aumentou 47% e está sendo acelerado pela redução das absorções de CO2 pelos oceanos e ecossistemas terrestres pelo efeito de saturação.
Esse novo relatório da OMM deixa claro que os negociadores na COP-26 têm maiores dificuldades ainda, pois as reduções de emissões do Acordo de Paris não estão ocorrendo, e as concentrações continuam aumentando e o aquecimento global se agravando. Eliminação da queima de combustíveis fósseis e do desmatamento de florestas tropicais nunca foram tão urgentes. Importante salientar que a maneira mais fácil, rápida e barata de reduzir emissões é zerar o desmatamento. E isso trará benefícios enormes para o Brasil, entre eles a manutenção da rica biodiversidade dos serviços ecossistêmicos, essenciais para a chuva no Brasil central.