O Globo, n. 32743, 31/03/2023. Economia, p. 13

No Congresso, elogios a regra e previsão de mudança

Renan Monteiro
Geralda Doca
Lauriberto Pompeu
Manoel Ventura


A esperada proposta de novo arcabouço fiscal do governo foi bem recebida por lideranças do Congresso, depois que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promoveu rodadas de conversas com parlamentares da Câmara e do Senado. Mesmo com os elogios, a expectativa de deputados e senadores é que as regras apresentadas ontem pela equipe econômica devem passar por modificações durante a tramitação nas duas Casas.

A apresentação da proposta traduziu o peso do projeto para o governo. Cercado de integrantes da equipe econômica, Haddad salientou que a nova regra fiscal conta com a aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e tem 100% de consenso no governo.

O ministro da Fazenda ressaltou que houve uma preocupação em olhar para todos os lados: o das famílias mais pobres, que precisam do Estado para a oferta de serviços básicos, e o dos investidores, que buscam sinais de credibilidade e estabilidade para aportar recursos. E indicou que precisa obter respostas para as perguntas da Faria Lima, reduto do mercado financeiro, e da comunidade de Paraisópolis.

Haddad também afirmou que o governo Lula é “plural” e, em razão disso, a proposta foi submetida a análises de diversos pontos de vista. Ele indicou ter tido boa acolhida no Congresso.

Ao lado de Haddad na apresentação, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que o foco principal não é diminuir despesas, mas ampliar a qualidade dos gastos.

— Depois dos primeiros números já checados, podemos garantir que essa regra fiscal é crível, é possível e temos condição de cumpri-la. Porque ela tem flexibilidade e permite que façamos ajustes para atingir as metas —disse Tebet.

O ‘X’ das negociações

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PPAL), classificou como “bom começo” o projeto de Haddad. Ele disse que a nova regra será uma diretriz mais flexível em relação ao teto de gastos, que limita o crescimento da despesa à inflação do ano anterior:

— O X (da questão) vai ser as negociações para ver quais projetos vamos ter que aprovar.

Lira afirmou que vai trabalhar para aprovar a proposta na Casa ainda no mês de abril e que a relatoria será entregue a um parlamentar do Progressistas, seu partido. O deputado chamou a atenção para a necessidade de aprovar outros projetos para que a regra tenha eficácia. Citou a reversão de subvenções e incentivos fiscais para manter a arrecadação federal. E citou a promessa do governo de não aumentar a carga fiscal, mas fazer com que contribuintes que hoje não pagam impostos comecem a pagar:

— O governo vai nessa linha de propor modificações nos incentivos fiscais concedidos ao longo do tempo.

Pela manhã, após reunião de aproximadamente duas horas com Haddad, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que a proposta pode passar por alterações no Congresso:

— A reunião foi muito positiva. Foi muito esclarecedora. Agora, nós aguardamos a evolução de um debate político natural no processo legislativo, em que a concepção inicial do Poder Executivo pode sofrer algum tipo de alteração.

Mas há, de nossa parte, eu senti de todos os líderes, inclusive da oposição, compromisso absoluto com uma pauta que é fundamental para o Brasil, que é disciplina e equilíbrio fiscal.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-Ceará), defendeu que a nova âncora tenha como relator um parlamentar alinhado com os parâmetros da proposta. Guimarães negou desconforto do governo com eventual escolha de um aliado de Lira:

— Se for um relator que se identifica com a proposta, não tem problema.

Guimarães recusou confirmar nomes, embora tenha sido questionado sobre a possibilidade de o deputado federal Fernando Monteiro (PPPE) ser escolhido para a relatoria. Ele reconheceu, contudo, que deverá haver “medidas complementares” ao texto inicial apresentado ontem.

O senador Rogério Marinho (PL-RN) comentou o assunto antes de se reunir com Haddad:

— Se o arcabouço apresentado, de fato, tiver essa solidez, mostre que a trajetória da dívida no futuro vai declinar ou pelo menos estabilizar, e dar segurança a quem investe no Brasil, não tenha dúvida que terá nosso apoio.

O senador Ciro Nogueira, presidente nacional do PP e um dos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, não se opôs integralmente à regra, mas disse que a orientação será para tentar corrigir “distorções”:

— O que for uma coisa importante, vamos estar a favor, tentar corrigir. O que não quero é um arcabouço fiscal baseado em inflação. Quem vai se penalizar é justamente a população mais pobre, as pessoas que vão chegar no mercado no dia seguinte e não vão poder mais comprar seus alimentos por causa da inflação.