O Globo, n. 32685, 01/02/2023. Opinião, p. 2

Novos líderes do Legislativo têm uma oportunidade



Menos de um mês depois de o Congresso ter sido alvo do vandalismo da extrema direita, serão eleitos hoje os presidentes da Câmara e do Senado para a nova legislatura. É ocioso, embora sempre necessário, repetir que devem ser defensores ferrenhos da democracia e da independência do Legislativo e do Judiciário. Mas precisam fazer mais. Os deputados e senadores que hoje votarão para eleger seus líderes deveriam ter em mente uma realidade incômoda: a avaliação que os brasileiros fazem do Congresso tem sido consistentemente negativa ao longo dos anos. Na série histórica do Datafolha, só em 2003 os brasileiros avaliaram o Parlamento mais positivamente.

O motivo não é misterioso. O Congresso brasileiro carece de lideranças capazes de quebrar o ciclo de escândalos de corrupção resultantes da relação pouco republicana de boa parte dos parlamentares com o Executivo. Desde os anos 1980, o Brasil é sacudido por revelações de roubalheiras ou irregularidades: anões do orçamento, emenda da reeleição, mensalão, petrolão etc. O Congresso tem um déficit de credibilidade, e o toma lá dá cá renitente só faz aumentar a rejeição popular.

Não faltam pautas prioritárias com potencial para melhorar a avaliação de deputados e senadores. A economia brasileira patina há anos, enquanto o Legislativo finge que não tem nada a ver com isso. No final dos anos 1970, eram necessários dois brasileiros para fazer o mesmo trabalho que um americano, hoje são quatro para um. Cabe aos parlamentares promover reformas para recuperar a produtividade pífia, condição essencial para ampliar a capacidade de crescimento econômico.

A nova legislatura terá como teste o projeto de reforma tributária do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que prioriza mudanças para tornar mais racional a cobrança dos tributos. Os principais adversários são conhecidos: segmentos dos setores do comércio e da agricultura apegados às vantagens que obtêm com a atual bagunça de regras. Resistir ao lobby e às narrativas criadas para manter tais regalias será tarefa dos presidentes das duas Casas.

As futuras lideranças do Congresso precisam gastar menos tempo em planilhas de troca de favores e mais tempo na agenda de resgate da produtividade. O atual ritmo de aprovação de reformas tem sido claramente insatisfatório. É certo que muito depende da vontade do Executivo. Mas o Congresso pode e deve assumir maior protagonismo. Uma política baseada no interesse nacional deveria suplantar o paroquialismo reinante.

Além da reforma tributária, outros projetos parados nas duas Casas poderiam impulsionar a geração de emprego e riqueza. Há vasto campo para avançar em legislação nas áreas de tributação, ambiente de negócios, energia, inovação, empreendedorismo, infraestrutura, integração comercial, logística e sustentabilidade.

É sintomático que, em sua visita a Brasília, o chanceler alemão, Olaf Scholz, pouco tenha falado em investimento produtivo. A invasão da Ucrânia pela Rússia fez a Alemanha reavaliar os riscos de depender economicamente da China. Que os alemães não considerem o Brasil uma alternativa de diversificação é em parte resultado da inação de legislaturas passadas. O Congresso que escolhe hoje seus presidentes tem uma nova oportunidade de enxergar mais longe para mudar essa história.