Título: Dois olhares...
Autor: Daniel Pereira e Fernando Exman
Fonte: Jornal do Brasil, 18/09/2005, País, p. A4
Delcídio Amaral, líder no Senado, é figura recente no PT. O economista Paul Singer, é um dos fundadores do partido. Como ponto em comum, o mesmo clamor por mudanças. Integrante do chamado Campo Majoritário, tendência que comanda o PT, o senador defende a substituição das lideranças tradicionais por novos quadros. E discursa a favor da renovação da mentalidade e da conduta do partido, em substituição à "falta de humildade" que faria o PT aderir a teorias conspiratórias e o impediria de reconhecer os próprios erros. Acusado à boca miúda de ainda ser tucano e vítima constante do chamado fogo amigo, o senador demonstra independência em relação ao discurso governista em pelo menos dois temas . Diz que a crise não está restrita à Câmara e afeta, sim, o governo. Além disso, demonstra preocupação com as dificuldades para enfrentar os gargalos da economia.
A permanência do Campo Majoritário no comando do PT não dificultará a punição dos petistas flagrados em irregularidades ¿ que pertencem justamente a essa tendência ¿, e a própria reformulação do partido? ¿ A militância é que dirá o que é mais conveniente para o partido. Naturalmente, para sair mais forte e para aprender com todas as lições duras que tivemos nos últimos meses, o PT tem de ter coragem de mudar, de renovar. Precisa ver na crise uma grande oportunidade de ascensão de novos quadros e lideranças, na busca de um partido mais plural.
Mas o ideal não seria o Campo Majoritário, cujos integrantes afundaram o PT na crise, abandonar o comando para facilitar a renovação? ¿ Não podemos fazer uma leitura depreciativa do Campo Majoritário em função de algumas lideranças ou pessoas. O Campo Majoritário pode comandar o partido, mas dentro de um processo de renovação de quadros.
O senhor concorda com a filósofa Marilena Chaui, para quem há ódio contra o PT porque o partido é o principal responsável pela democracia no Brasil? ¿ Respeito muito a professora Marilena Chaui, mas não acho que o PT é o grande responsável pela democracia. Consolidamos as nossas instituições democráticas principalmente pela mobilização da opinião pública. O que está acontecendo também não é nenhuma conspiração. Foram erros nossos. A crise não foi criada pela oposição. Nós é que criamos junto com os partidos aliados.
O presidente Lula disse que o governo e o PT erraram. Mas não apontou quem o traiu... ¿ Isso eu não posso dizer, é um juízo de valor do presidente. Tanto erramos que a crise não é só do partido. É do governo mesmo, até pelo número de pessoas que já saíram em função das denúncias e das investigações das CPIs. Temos de ter humildade. Noto que ainda não se tem a humildade devida para se encarar os fatos como deveríamos encarar.
O ex-ministro Tarso Genro disse que não há motivos para o eleitor votar no PT. O senhor concorda? ¿ Dependerá muito do processo eleitoral e do entendimento do PT e do governo dessa crise. Hoje, há reação ao PT. E aí começa a aparecer a ¿conspiração das elites¿ e o raciocínio de que o PT foi quem mais contribuiu para o processo democrático. Precisamos primeiro aprender com o que está acontecendo. A população, de um modo geral, poderia esperar do PT problemas de má gestão, mas não relacionados a questões éticas. Por isso, a reação é forte. Há uma frustração que me preocupa muito.
O que o PT precisa fazer para virar a página? ¿ Primeiro, o processo eleitoral e a renovação imediata de quadros. Segundo, fazer uma reavaliação semelhante a de outros partidos de esquerda, de seus programas e dogmas ao longo desses 25 anos, até para se preparar para ser um partido maduro. Acho importante olhar a crise como uma oportunidade e não vislumbrá-la como uma conspiração.
A dificuldade para reconhecer os próprios erros e a falta de humildade refletem no comportamento de petistas nas CPIs? ¿ Claramente. Você vê enfrentamentos absolutamente desnecessários e que, em vez de ajudar o PT e o governo, só complicam a situação. Falta diálogo.
O senhor poderia dar um exemplo? ¿ Acho que o Luiz Gushiken poderia ter vindo antes. Retiraria muita celeuma da CPI dos Correios e seria ótimo para o governo e para o partido. Isso foi se arrastando, virou um enfrentamento maluco. O Gushiken já tinha, inclusive, se oferecido para depor.
A mesma análise vale para o caso de José Dirceu? O PT fez de tudo para ele não ser convocado. Saiu o relatório recomendando a cassação, e o deputado diz que o documento é falho porque a CPI não o ouviu. ¿ É uma visão equivocada. E eu disse isso a ele. A CPI não precisa necessariamente ouvir as pessoas que foram citadas no primeiro relatório parcial. O foro adequado é o da Corregedoria e do Conselho de Ética da Câmara. Além disso, o Osmar Serraglio notificou cada parlamentar, e cada parlamentar apresentou a sua defesa por escrito. Houve sempre dentro do plenário um esforço para não trazê-lo. Hoje, os relatórios parciais já saíram. Perdeu o sentido a sua convocação. Agora a manobra é ao contrário? É para depor? Não é sensato.
Há também pressão contra a convocação do ministro Antonio Palocci pela CPI dos Bingos. ¿ Um ministro da Fazenda ficar nesta gangorra, de é convocado ou não é convocado, não é bom para nenhum país. As questões têm de ser bem avaliadas, para que a gente não o convoque sem razão. Esse movimento pendular é ruim porque a leitura lá fora é sempre negativa. O investidor olha os números e lê as notícias. Ele não faz aquela avaliação subjetiva que é própria da política.
Um ex-secretário de governo do ministro Palocci quando ele era prefeito de Ribeirão Preto o acusou de receber propina. Não é um motivo suficiente para convocação? ¿ Ele deu aquela entrevista e se mostrou muito seguro. Agora, o ministro da Fazenda não pode responder e continuar com uma espada de Dâmocles na cabeça. Ou é convocado de uma vez ou é preservado.
O fogo amigo é intenso no PT? Terrível. E eu sou uma das principais vítimas do fogo amigo. Você não recebe tiro de fora, recebe de dentro do quartel. Isso não constrói nada. Precisamos nos preparar para enfrentar nossos adversários e não entrar numa luta autofágica. Alguns dos grandes tropeços políticos do PT ocorreram por causa de briga interna.
O senhor concorda com a análise de integrantes do governo de que a economia é um céu de brigadeiro? Temos de entender que o mundo está em um momento extremamente favorável, com altíssima liquidez, e a nossa economia não é tão blindada assim, não é tão sólida para ter vida própria ou os mecanismos de autoproteção normais nas economias mais desenvolvidas do mundo. Estamos passando por um momento em que a economia internacional ajuda. Eu não consigo desvincular política de economia, porque quando alguém vai investir usa como termômetro a estabilidade das instituições, o marco regulatório, as leis que pautarão o seu negócio. Acho que é simplismo querer dissociar uma coisa da outra.
O senhor está preocupado com a economia? Me preocupo muito. E acho que, a despeito do salto nas exportações, da balança comercial, da competitividade das nossas indústrias, não fizemos frente ao maior problema que o Brasil enfrenta para garantir o seu desenvolvimento, que é infra-estrutura. As coisas não andam. Não adianta dizer que estão sendo feitas porque não estão. Basta olhar as rodovias, o programa ferroviário, a área de energia. Estamos perdendo tempo. E infra-estrutura e logística são fundamentais. Sem logística, os camaradas que gostariam de investir no Brasil começam a fugir para outros lugares que sejam mais estáveis politicamente e garantam a logística competitiva que eles esperam.
Como foi a conversa recente do senhor com o presidente Lula? Fiz um relato rápido dos trabalhos da CPI. Foi bom para eu sentir uma avaliação dele. O presidente acha absolutamente necessário que o País investigue e tome as medidas necessárias para que as coisas não se repitam, mesmo que doa o coração.
Mesmo que petistas de renome percam o mandato? Ele acha que se há culpa que se puna. Foi uma conversa muito franca. E depois falei com ele algumas vezes ao telefone.
O senhor já disse ao presidente que não concorda com a tese da conspiração contra o governo e o PT? Tenho absolutamente convicção de que ele hoje discorda da tese. É um homem sabido, tem muita experiência e sabe onde é que dói o calo.