O Estado de São Paulo, n. 46761, 27/10/2021. Política p.A13

 

Tática da CPI prevê ação direta no Supremo

 

Vinícius Valfré

Weslley Galzo

 

A cúpula da CPI da Covid traçou uma estratégia jurídica para tentar levar o presidente Jair Bolsonaro a julgamento diretamente no Supremo Tribunal Federal. A ideia, tratada como “plano B”, é acionar a Corte caso o procurador-geral da República, Augusto Aras, decida engavetar as conclusões da CPI, deixando de processar Bolsonaro e aliados do governo com foro privilegiado.

A comissão pretende usar a chamada ação penal subsidiária pública, ferramenta jurídica que permite à vítima ou ao seu representante legal propor a acusação em caso de inércia do órgão que deveria fazêlo, em até 30 dias. O movimento, no entanto, é visto como pouco factível por alguns juristas e vem sendo questionado até mesmo por integrantes da CPI. A dúvida é se um eventual arquivamento dos pedidos de indiciamento feitos pela CPI poderia ser classificado como “inércia” da Procuradoria-geral da República. Não há acordo sobre o caminho a seguir nem no grupo de oposição da CPI, mas uma ala avalia que o tema deve ser levado para debate no Supremo.

Aras tem poder para dar ou não continuidade às conclusões da CPI. Cabe ao procurador-geral investigar e apresentar denúncias criminais contra autoridades com foro privilegiado. Caso a PGR decida acusar formalmente Bolsonaro – hipótese considerada remota –, ainda assim seria preciso autorização da Câmara para o processo seguir adiante. Somente depois desse trâmite a ação seria submetida a julgamento no Supremo.

Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um arquivamento equivale à inércia pela gravidade da situação. “O caminho seria sustentar uma nova tese perante o Supremo para permitir o manejo de ação penal privada, subsidiária da pública, nos casos em que o PGR se omite, incluídas as hipóteses de arquivamento manifestamente contrário ao interesse público”, afirmou Vieira.

 

DIVERGÊNCIA. O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) discordou. “A ação penal privada subsidiária da pública só tem incidência na hipótese de o PGR se omitir. Se ele optar pelo arquivamento, não tem cabimento.” O “plano B” também encontra resistências no STF e até entre opositores de Aras. A tese dificilmente prosperará, conforme ministros do Supremo, porque exigiria que a Corte recusasse ato de competência exclusiva do PGR.

Também não está claro quem teria a legitimidade para propor a ação. A CPI mantém conversas com associações de familiares de vítimas e com a OAB. “A ação penal subsidiária pressupõe que haja uma vítima específica. A vítima é a sociedade e quem a representa, em casos de ações penais públicas, é o próprio Ministério Público”, disse o advogado Cássio Rebouças de Moraes.