O Globo, n. 32686, 02/02/2023. Política, p. 8
Governabilidade sem margem de erro
Bernardo Mello
As reeleições de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à do Senado dão fôlego ao governo Lula (PT) para tocar as agendas prioritárias na área econômica e na reação a atos antidemocráticos, mas indicam uma oposição bolsonarista com capacidade de oferecer obstáculos, na avaliação de políticos e analistas ouvidos pelo GLOBO. Na eleição do Senado, considerada mais sensível por aliados do governo, Pacheco obteve o patamar exato de votos, 49, que é exigido para aprovação de emendas constitucionais, como a reforma tributária, uma das prioridades de Lula. A votação de seu adversário, Rogério Marinho (PL-RN), por sua vez, abre a possibilidade de que opositores do PT imponham derrotas ao governo por meio de mecanismos como obstruções ou requerimentos de CPIs.
Na Câmara, a votação recorde de Lira fortalece o parlamentar do PP, eleito ao comando da Casa em 2021 como aliado do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e reeleito com apoio de Lula. Para o cientista político Antônio Lavareda, o resultado é uma vitória do próprio Lira mais que do governo, mas em condições que podem favorecer a agenda do Executivo.
— Lira sai bastante fortalecido, embora não tenha mais à disposição o orçamento secreto, nem a mesma influência na pauta do governo que havia quando seu aliado Ciro Nogueira estava na Casa Civil de Bolsonaro. É uma vitória óbvia, mas que não deixa o governo trôpego, especialmente também pela vitória no Senado —avaliou Lavareda.
Neste primeiro ano de gestão, Lula pretende enviar um projeto de reforma tributária que combine as duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), em tramitação na Câmara e no Senado, sobre unificação de impostos sobre o consumo. Outro tema que entrou na agenda do Executivo, após as invasões às sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro, foi a preparação de um “pacote antigolpe” que deve incluir o envio de uma PEC ao Congresso para criação de uma nova força de segurança, a Guarda Nacional. Esse tipo de proposta exige maioria qualificada nas duas Casas — até 308 votos na Câmara e 49 no Senado —para aprovação.
Aliados de Lira frisaram ontem que o desempenho do presidente da Câmara reflete sua própria capacidade de articulação, e que Lula terá de buscar esse apoio “no varejo” em votações importantes. O deputado Elmar Nascimento (União-BA), por exemplo, disse que o governo terá que “começar do zero” sua relação com os parlamentares, embora seu partido tenha emplacado três ministérios.
Testes de fogo
O primeiro teste de fogo para a relação entre Lula e o Congresso será a análise de medidas provisórias (MP), editadas pelo presidente no início de janeiro, que reorganizaram a máquina administrativa — o que levou, por exemplo, à extinção da Funasa, tradicional cabide de indicações do Centrão. Também há a expectativa de aumento de arrecadação com a MP que amplia o peso da Receita Federal em julgamentos no Carf.
Outro possível obstáculo à agenda do governo é a articulação do bolsonarismo, que alavancou a candidatura de Marinho no Senado —beneficiada, também, pelo descontentamento de senadores com Davi Alcolumbre (União-AP), aliado de Pacheco —e pode ter oxigenado a candidatura de Marcel Van Hattem (NovoRS) na Câmara. O deputado do Novo, que se lançou com uma plataforma fortemente crítica a Lula, obteve 19 votos, embora seu partido tenha apenas três parlamentares.
— É uma oposição que sinaliza estar preparada, caso se mantenha coesa. A votação do Marcel Van Hattem sugere uma atração do bolsonarismo radical insatisfeito com a nova “roupa” governista do Lira, o que leva à organização da extrema-direita em um polo de combate —disse o cientista político Josué Medeiros, professor da UFRJ.
No Senado, por sua vez, a votação de Pacheco “deu coesão à base do governo”, na avaliação de Medeiros, mas também demarcou uma oposição com capacidade para tirar o quórum de votações importantes e pressionar o governo.
Parlamentares do PT e do PL consideraram o quadro das eleições, especialmente no Senado, como sinal de uma relação com margem de manobra estreita para o Executivo no Congresso.
— A candidatura do Marinho não foi de radicalização, mas sim de equilíbrio entre os Poderes —declarou o deputado Altineu Côrtes (RJ), líder do PL na Câmara. — Marinho nunca foi um bolsonarista raiz, mas a vitória de Lira e Pacheco era essencial para garantir a governabilidade — disse o deputado federal Washington Quaquá (PT-RJ).
A eleição de Pacheco tende a garantir maior tranquilidade a Lula para as indicações de duas vagas no Supremo Tribunal Federal (STF) que se abrirão neste ano, com as aposentadorias de Ricardo Lewandowski, prevista para maio, e de Rosa Weber em outubro. As indicações precisam ser analisadas pelos senadores, com exigência de um mínimo de 41 votos para a aprovação. Em 2021, a indicação do ministro André Mendonça, feita por Bolsonaro, levou cinco meses para ser analisada e obteve 47 votos, apenas seis a mais do que o exigido. Já a pressão por análise de pedidos de impeachment de ministros do Supremo, pauta defendida por bolsonaristas, tende a perder força.