O Globo, n. 32688, 04/02/2023. Mundo, p. 17

Olho chinês no céu



A presença de um suposto balão de espionagem chinês que ontem sobrevoava havia pelo menos três dias o território dos EUA fez com que o governo americano adiasse a visita do secretário de Estado Antony Blinken, à capital da China, que aconteceria entre amanhã e segunda-feira. Seria a primeira visita de um chefe da diplomacia americana a Pequim desde a de Mike Pompeo, em 2018. Ontem, a China minimizou o incidente e lamentou a “entrada acidental” de um balão não tripulado no espaço aéreo americano. Blinken, por outro lado, chamou o ocorrido de um “ato irresponsável”. Desde quarta-feira, o Pentágono vem monitorando ao menos um suposto “balão de coleta de informações” chinês e enviou caças F-22 para rastrear o objeto, fazendo com que os voos fossem temporariamente suspensos no aeroporto de Billings, em Montana. A pedido do presidente Joe Biden, o Departamento de Defesa chegou a considerar abater o balão, mas voltou atrás devido aos riscos potenciais para as pessoas no solo.

China minimiza

A China, que já enviou balões de vigilância sobre os Estados Unidos em outras ocasiões, tentou diminuir as tensões com Washington ontem. Depois de inicialmente dizer que precisava verificar as alegações sobre o balão, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores responsabilizou os ventos do oeste e a falta de controle do objeto pelo “sério desvio” para os EUA. “[Ele é um] dirigível civil usado para fins científicos, principalmente meteorológicos, que havia desviado muito de seu curso planejado. O lado chinês lamenta a entrada acidental do dirigível no espaço aéreo dos EUA devido à força maior”, disse o porta-voz chinês em comunicado.

Já o porta-voz da Chancelaria chinesa, Mao Ning, disse que Pequim espera que “as partes relevantes lidem com o assunto de maneira fria”. Mais cedo, o governo canadense informou que investigava um “potencial segundo incidente”.

“Os canadenses estão a salvo, e o Canadá está adotando medidas para garantir a segurança de seu espaço aéreo, inclusive com a vigilância de um potencial segundo incidente”, informou o Ministério da Defesa do país em comunicado, sem citar a China. O artefato foi visto sobrevoando a mais de 12 mil metros Montana, estado no Noroeste dos Estados Unidos que abriga a 341ª Ala de Mísseis da Força Aérea e seus mísseis balísticos intercontinentais Minuteman III (com capacidade nuclear) em silos subterrâneos, mas o Pentágono não acredita que o dispositivo represente alguma ameaça, porque “tem valor limitado, do ponto de vista da coleta de dados”. Na quarta-feira, quando o balão foi descoberto, o secretário de Defesa, Lloyd Austin, chegou a convocar uma reunião de altos funcionários militares e de Defesa para discutir como lidar com a situação.

— Claramente, a intenção desse balão é a vigilância, e a atual rota de voo o leva a vários locais sensíveis — relatou um alto funcionário, que preferiu não se identificar. —Estamos tomando medidas para nos protegermos da coleta de informações confidenciais pela Inteligência estrangeira. A China tem vários satélites que orbitam a Terra a cerca de 480km de altitude. Como os satélites espiões americanos, os chineses podem tirar fotos e monitorar lançamentos de armas, de acordo com autoridades.

Ambos os países têm um histórico de espionagem — autoridades americanas que visitam a China em missões diplomáticas sabem haver o risco de suas conversas serem monitoradas. Ontem, o balão voava “a uma altitude bem acima do tráfego aéreo comercial” e, de acordo com um comunicado do porta-voz do Pentágono, Pat Ryder, “não representa ameaça militar ou física para as pessoas no solo”. Mesmo assim, políticos americanos foram rápidos em pedir que o governo Biden combatesse com força qualquer ameaça. “O descarado desrespeito da China à soberania dos EUA é uma ação desestabilizadora que deve ser abordada, e o presidente Biden não pode ficar calado”, disse o presidente da Câmara dos EUA, o republicano Kevin McCarthy, em um post no Twitter.

Balão na América Latina

Em uma declaração conjunta, os congressistas Mike Gallagher, republicano de Wisconsin, e Raja Krishnamoorthi, democrata de Illinois, disseram: “O Partido Comunista Chinês não deveria ter acesso sob demanda ao espaço aéreo americano.” Os dois acrescentaram que o incidente mostrou que a ameaça da China “não está confinada a costas distantes — está aqui em casa e devemos agir para combater essa ameaça”.

A relação entre as duas superpotências atualmente é tensa, sobretudo por causa de Taiwan, ilha com governo autônomo aliado de Washington que Pequim considera uma província rebelde e cujo retorno ao controle do continente reivindica, ameaçando com ação militar qualquer tentativa de independência. Na quinta-feira, o Departamento de Defesa americano anunciou que os EUA estavam expandindo sua presença militar nas Filipinas como parte do que analistas identificaram como um esforço para conter a ação da China na região e reforçar a capacidade dos Estados Unidos de defender Taiwan.

À noite, o porta-voz do Pentágono, Pat Ryder, informou que um segundo balão espião chinês foi detectado cruzando os céus de um país da América Latina. De acordo com a CNN, não está claro sobre qual país da região o balão está pairando, mas o objeto voador não parecia se dirigir aos EUA. (Com New York Times e Bloomberg)