O Estado de S. Paulo, n. 46728, 24/09/2021. Metrópole, p. A19

Estudo aprova choque contra depressão

Nicholas Bakalar


Um novo e amplo estudo conclui que a terapia eletroconvulsiva, ou ECT, pode ser eficaz no tratamento de depressão grave e é tão segura quanto o uso de antidepressivos combinados com a psicoterapia. O procedimento, já chamado de terapia de eletrochoque, tem um histórico controverso e muito desfavorável, por causa de retratos imprecisos em livros populares e filmes como Um Estranho no Ninho – e também como resultado de problemas reais com as primeiras versões do procedimento, que usava fortes correntes elétricas sem anestesia.

Hoje, a ECT é realizada sob anestesia geral, e o médico, trabalhando com um anestesista e uma enfermeira, aplica uma corrente elétrica fraca no cérebro (geralmente cerca de 0.8 Ampére a 120 volts) de um a seis segundos. Isso causa uma convulsão dentro do cérebro – mas, por causa da anestesia, o paciente não tem contrações musculares. A convulsão causa no cérebro mudanças que aliviam os sintomas da depressão e outras doenças mentais específicas. Geralmente, os médicos administram tratamentos de ECT por um período de dias ou semanas.

A única parte dolorosa do procedimento é a inserção de uma linha intravenosa antes da anestesia. Efeitos colaterais podem ocorrer depois, incluindo perda temporária de memória, confusão, dores de cabeça ou dores musculares transitórias. Os médicos estão discutindo se a ECT pode causar problemas de memória a longo prazo diferentes dos problemas de memória causados pela própria depressão.

Para este novo estudo, publicado na revista Lancet Psychiatry, pesquisadores canadenses usaram registros de 10.016 adultos cuja depressão era severa o suficiente para que passassem três dias ou mais no hospital. Metade deles submeteu-se à ECT enquanto a outra metade foi tratada com drogas e psicoterapia. Sua média de idade era de 57 anos e cerca de dois terços eram mulheres. Os pesquisadores rastrearam como cada grupo reagiu nos 30 dias após receberem alta do hospital.

O estudo combinou cuidadosamente os pacientes com os controles, fazendo ajustes para mais de 75 fatores, incluindo características sociodemográficas, uso de medicação, outras doenças, estado comportamental e cognitivo e a utilização de serviços de psiquiatria e outros serviços de saúde. Essa metodologia completa ajudou a superar algumas das limitações de estudos anteriores.

A ECT não pareceu aumentar o risco de problemas médicos graves, incluindo circulatórios, respiratórios ou geniturinários que necessitam de internação hospitalar, ou mortes que não eram resultado de suicídio. Nos 30 dias após a alta, 105 dos pacientes submetidos à ECT tiveram problemas médicos graves, comparados a 135 do grupo controle, uma diferença estatística insignificante. 

Bem conduzido. Os pesquisadores não rastrearam problemas médicos menores tratados em ambulatórios. Suicídios foram raros nos dois grupos, mas significativamente menores naqueles submetidos à ECT. “É um estudo interessante e bem conduzido”, disse Martin Balslev Jorgensen, professor de Psiquiatria da Universidade de Copenhagen, que não esteve envolvido nesse estudo. “Como a ECT é cercada por muitas opiniões negativas, precisamos de toda a ajuda que pudermos de pesquisas baseadas na vida real”, ressaltou.

O diretor médico do programa de ECT na Universidade Duke, Jacob P. Feigal, que também não participou, disse que o estudo pode ajudar a conversar com as pessoas para as quais o melhor tratamento é a ECT, mas que teme complicações. “Como clínico”, ele disse, “me ajuda a elaborar o argumento. Contribui com um elemento importante para a discussão sobre o risco de fazer a ECT comparado ao risco de não fazê-la em pessoas com depressão grave.”

Jorgensen disse que o estudo mostra que os pacientes não precisam se preocupar com complicações médicas e podem se concentrar nos problemas reais da ECT: você precisa ser anestesiado e, após vários tratamentos, pode ter alguma perda de memória do período anterior e durante a ECT.

Irving M. Reti, professor de Psiquiatria e diretor do programa de estimulação cerebral na Universidade Johns Hopkins, também não envolvido no relatório, disse que “é um estudo importante e substancial” que contribui para a literatura médica, mostrando que a ECT é segura. “Isso coloca em um contexto médico de milhares de pacientes sem complicações médicas significativas.”

O autor principal do estudo, Tyler S. Kaster, pesquisador de estimulação cerebral na Universidade de Toronto, concordou que a ECT traz riscos, mas, destacou, a depressão grave também traz, e pode levar a problemas sérios – entre eles doenças cardiovasculares, demência, uso de substâncias e suicídio. A decisão de se submeter à ECT é “séria e complexa”, observou. “A esperança nesse estudo é que forneça informações importantes que permitam aos pacientes, seus entes queridos e seus médicos compreenderem os riscos e tomarem a decisão mais adequada.” / TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

Riscos

“(A ECT) traz riscos. Mas a esperança nesse estudo é que forneça informações importantes que permitam aos pacientes, seus entes queridos e seus médicos compreenderem os riscos e tomarem a decisão mais adequada.”

Tyler Kaster

Autor do estudo, Professor da Universidade de Toronto