O Estado de São Paulo, n. 46763, 29/10/2021. Política p.A10

 

TSE cassa deputado por fake news e impõe limite à desinformação eleitoral

 

Weslley Galzo

Pepita Ortega

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) enviou ontem recados ao Palácio do Planalto e firmou um entendimento que prevê punição dura contra a disseminação de fake news e desinformação nas eleições de 2022. Em decisão inédita, a Corte decidiu, por maioria, cassar o mandato do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR), aliado de primeira hora do presidente Jair Bolsonaro, por propagação de mentiras contra as urnas eletrônicas. Na mesma sessão, o TSE rejeitou as ações que pediam a cassação da chapa formada por Bolsonaro e pelo vice Hamilton Mourão, acusada de disparar notícias falsas nas eleições de 2018, mas o julgamento foi marcado por advertências ao governo.

Com as campanhas políticas cada vez mais digitais, especialistas preveem que na eleição do ano que vem a desinformação encontre terreno ainda mais fértil no impulsionamento de conteúdo, disparos em massa de mensagens pelas redes sociais e, principalmente, aplicativos de mensagem.

O ministro Alexandre de Moraes, que vai presidir o TSE durante a campanha de 2022, citou até mesmo a possibilidade de prisão para quem disseminar discurso de ódio contra as eleições e a democracia. “Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado e as pessoas que assim o fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e contra a democracia no Brasil”, avisou o ministro.

Bolsonaro ainda é investigado no TSE por levantar suspeitas sobre o sistema eletrônico de votação, durante transmissão ao vivo nas redes sociais, em julho, mas, até agora, não havia se preocupado com o assunto. O veredicto contra Francischini, porém, surpreendeu o Planalto. Seis ministros acompanharam o voto do relator, Luís Felipe Salomão – no último ato antes de se despedir do cargo de corregedor da Justiça Eleitoral – e concluíram que o deputado fez uso indevido dos meios de comunicação, levando “milhões de eleitores” a erro ao dizer, em live, no primeiro turno da disputa de 2018, que as urnas estavam fraudadas e impediriam o voto na chapa Bolsonaro-Mourão.

 

DELEGADO. No julgamento, que havia começado na semana passada, a maioria dos ministros também votou pela inelegibilidade de Francischini por oito anos, até 2026. “Acusar (...) a ocorrência de fraude, e a Justiça Eleitoral de estar mancomunada com a fraude, é um precedente muito grave, que pode comprometer todo o processo”, disse o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso.

Francischini foi cassado por seis votos a um. Além de Barroso e Moraes, apoiaram Salomão os ministros Mauro Campbell, Sérgio Banhos e Edson Fachin. Carlos Horbach foi o único que discordou.

No Twitter, Francischini disse que reassumirá o cargo de delegado enquanto recorre da sentença do TSE. “Lamento esta decisão que afeta mandatos conquistados legitimamente. Um dia triste, mas histórico na luta pelas liberdades individuais. Nós vamos recorrer e reverter essa decisão lá no STF (Supremo Tribunal Federal), preservando a vontade de meio milhão de eleitores paranaenses”, afirmou.

CHAPA. Pouco antes, os ministros do TSE decidiram, por unanimidade, arquivar as ações que pediam a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão, sob a alegação de falta de provas. Mesmo assim, o tribunal estabeleceu teses que, na prática, tentam impedir o presidente de adotar as mesmas estratégias para impulsionar fake news na campanha pelo segundo mandato, em 2022.

A chapa Bolsonaro-Mourão foi acusada pela coligação “O Povo Feliz de Novo”, encabeçada pelo PT, com o apoio do PCdoB e do PROS, de promover envios de notícias falsas e ataques a seus adversários por meio do WhatsApp, durante as eleições de 2018.

Salomão propôs que o julgamento sirva de baliza para casos semelhantes no futuro. Ele quer que o uso de aplicativos de mensagens, com financiamento de empresas privadas, na tentativa de tumultuar as eleições com desinformação e ataques, passe a ser considerado elemento suficiente para condenar candidatos por abuso do poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação. A pena seria, além da eventual perda de mandato, a inelegibilidade por oito anos.

“É um precedente importante e tende a levar os tribunais a essa interpretação. Agora, quanto a sua eficiência e capacidade de barrar a prática (de disseminação de fake news), isso dependerá dos meios de aferição, das prova e do quanto os envolvidos temeriam. É difícil imaginar a força e a eficiência”, disse o professor de Direito Eleitoral do Mackenzie Diogo Rais. 

 

PARÂMETROS. O TSE estabeleceu cinco parâmetros para analisar a gravidade de casos semelhantes aos de 2018: o teor das mensagens contendo informações falsas e propaganda negativa; a repercussão no eleitorado; o alcance do ilícito, em termos de mensagens veiculadas; o grau de participação dos candidatos nos disparos; e o financiamento de empresas privadas, com a finalidade de interferir na campanha.

“A tese veio para pensarmos a realidade. Não é a primeira vez que temos disparos em massa. Já tivemos isso em uma série de pleitos majoritário”, disse o professor de Direito Eleitoral da USP Rubens Beçak. 

 

“Lamento esta decisão que afeta mandatos conquistados legitimamente. Nós vamos recorrer.”

Fernando Francischini (PSL-PR)

Deputado estadual que teve o mandato cassado ontem

 

Investigação

• Inquérito administrativo

Bolsonaro ainda é alvo do TSE em outra frente. Aberto em 2 de agosto, um inquérito administrativo apura declarações do presidente em relação a fraudes no sistema eletrônico de votação e ameaças às eleições de 2022.

 

• Crimes

O inquérito, proposto pela Corregedoria da Justiça Eleitoral, apura se, ao atacar as urnas, Bolsonaro praticou "abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção e fraude".

 

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Corte vê disparo em massa como abuso econômico

 

 Rose Marie Santini 

 

A decisão do TSE de cassar o mandato do deputado estadual do Paraná Fernando Francischini (PSL) por propagar desinformação acontece no mesmo dia daquela que rejeita a cassação da chapa Bolsonaro-Mourão por impulsionamento ilegal de mensagens em massa via WhatsApp.

Os votos discutidos no plenário trouxeram à tona muitos dos temas que vêm sendo debatidos no PL das Fake News (nº. 2630). Ganha destaque o malfadado "disparo em massa", uma vez que, ainda que julgada improcedente, a ação o tribunal fixou tese no sentido de que o uso do disparo em massa contendo desinformação poderá configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social. Ou seja, na prática os candidatos poderão perder seus mandatos em 2022.

Os problemas conceituais dessa tese se somam aos já profundamente criticados no PL 2630. No caso dos disparos em massa, tanto a natureza das mensagens quanto a estrutura usada para disseminá-las são métricas importantes para gerar medidas coercitivas da Justiça. Mas como seria possível estabelecer tal relação de causalidade? Como isolar variáveis e provar que determinada mensagem ou campanha foi responsável pela vitória de um candidato? Quinhentos usuários configurarão como "massa", ou será necessário um milhão deles? Para estabelecer relações de causalidade não é possível usar categorias abstratas como muito, pouco ou massivo. É preciso determinar diretamente os limites para cada ação.

No WhatsApp, a criptografia de ponta a ponta permite que autores, destinatários e compartilhadores de informações falsas ou hostis escapem de punições e permaneçam invisíveis. O anonimato é o grande atrativo do Telegram, que não expõe os números de telefones dos usuários, permite o uso de robôs e a criação de canais com número ilimitado de usuários para o envio de mensagens em larga escala.

É preciso reconhecer que a tecnologia está em constante mudança, e que tentativas de prever os seus fenômenos anômalos serão contingentes. Cabe, portanto, mirar nas intenções criminosas dos agentes maliciosos que usam tais estruturas, e não apenas nas ferramentas mobilizadas para isso. A tecnologia não tem um valor em si, mas sim o uso que dela se faz.