O Estado de S. Paulo, n. 46732, 28/09/2021. Política, p. A6

MPF vai investigar obra paga com orçamento secreto
Felipe Frazão


O Ministério Público Federal abriu um procedimento de apuração preliminar que mira dois ministros do governo Jair Bolsonaro, Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Gilson Machado (Turismo), por causa do direcionamento de verbas do orçamento secreto.

A Procuradoria da República no Distrito Federal vai investigar se eles cometeram irregularidades administrativas no envio de R$ 1,4 milhão para a construção de um mirante turístico ao lado de um empreendimento privado que pertence a Marinho, em Monte das Gameleiras (RN). O dinheiro foi alocado a pedido do ministro do Desenvolvimento Regional, como revelou o Estadão.

O procurador Paulo Roberto Galvão de Carvalho instaurou o procedimento para apurar possíveis atos de improbidade administrativa dos ministros após representação da deputada Natália Bonavides (PT-RN). Ela também formalizou pedidos de investigação no Tribunal de Contas da União (TCU) e no Supremo Tribunal Federal (STF), mas o ministro Luís Roberto Barroso disse que a Procuradoria-geral da República deve ser provocada em caso criminal.

Marinho pode ter sido beneficiado com a valorização de seu empreendimento particular ao solicitar e obter recursos públicos intermediados por Machado para a construção do mirante. O local da obra fica a cerca de 300 metros de um terreno de propriedade do ministro do Desenvolvimento Regional, no agreste potiguar. Ao acatar a representação da parlamentar, o procurador cita possível “omissão” do ministro do Turismo.

Essa apuração instaurada na Procuradoria da República do Distrito Federal é uma etapa anterior à abertura de um inquérito civil e serve para verificar suspeitas e indícios de autoria. Galvão já pode solicitar aos ministros que prestem esclarecimentos sobre o caso e, depois, determinar a abertura de uma ação judicial ou transformar o procedimento em inquérito.

Além deles, também será investigada a eventual participação de Francisco Soares de Lima Júnior, sócio de Marinho nesse empreendimento e homem de confiança dele no ministério. Lima Júnior é, ao mesmo tempo, diretor do Departamento de Desenvolvimento Regional e Urbano e conselheiro da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

O investimento bancado com dinheiro público tende a valorizar o mais novo negócio particular de Marinho, um condomínio de cem casas num terreno de seis hectares. Numa audiência na Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos da Câmara, em 8 de junho, Marinho negou a autoria dos pedidos e o repasse de verbas. O Estadão, entretanto, obteve, via Lei de Acesso à Informação, duas planilhas de execução orçamentária do Ministério do Turismo que confirmam que ele é o “autor” e o “agente político” da indicação dos recursos.

A fonte do R$ 1,4 milhão é a emenda de relator-geral do Orçamento (RP-9), base do orçamento secreto. O esquema revelado pelo Estadão foi montado pelo governo Bolsonaro para permitir a um grupo de políticos manejar bilhões do Orçamento sem transparência. Para juristas, o mecanismo fere a Constituição.

‘Intermediação’. Procurados, os ministros não comentaram a abertura da apuração. Marinho reiterou, em nota, que apenas intermediou um pedido do deputado Beto Rosado (Progressistas-rn). Rosado sustenta essa versão, mas não comprovou ser o autor da indicação. Lima Júnior não foi localizado.

Em nova versão, o Ministério do Turismo também apontou Rosado como responsável pela proposta de emenda. “O projeto do mirante servirá como um importante atrativo para impulsionar o turismo na região”, disse a pasta.