Título: José Alencar substitui Viegas na Defesa
Autor: Romoaldo de Souza e Sérgio Pardellas
Fonte: Jornal do Brasil, 05/11/2004, País, p. A3

Ex-ministro pediu demissão no dia 22, após crise desencadeada pela publicação de supostas fotos de Wladimir Herzog

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitou ontem o pedido de demissão do ministro da Defesa, José Viegas, formalizado em carta no último dia 22, e nomeou o vice-presidente da República, José Alencar, para o cargo. A exoneração pretende encerrar uma crise no setor cujo estopim foi a divulgação de uma nota pelo Exército, dia 17 de outubro, após a publicação na imprensa de supostas fotos do jornalista Vladimir Herzog, morto pelo regime militar. A troca no comando da pasta pode ser o primeiro ajuste no ministério de Lula à luz do novo mapa político do país, com vistas às eleições de 2006. Segundo fontes ligadas ao governo, a escolha de Alencar teria sido fruto de uma articulação, com a chancela do Palácio do Planalto, a fim de cacifar o vice-presidente para uma eventual disputa ao governo de Minas Gerais, daqui a dois anos. Essa versão, no entanto, é contestada por amigos de Alencar. A esses interlocutores, o vice-presidente teria manifestado interesse em permanecer no cargo para o qual foi eleito e até em concorrer à reeleição.

Alencar, empresário nacionalista, também teria o perfil ideal para conduzir com a serenidade desejada por Lula a abertura dos arquivos da ditadura militar ''sem traumas'', garantem assessores com trânsito do Palácio. Inicialmente, o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, era o mais cotado para comandar a Defesa. Houve, no entanto, resistências na caserna e o governo recuou.

O pivô da demissão foi o general Francisco Albuquerque, que Viegas queria ver fora do Comando do Exército. Lula não aceitava o afastamento, segundo fontes ligadas ao ex-ministro. Viegas ficou inconformado com a insubordinação do general Albuquerque, depois da divulgadas fotos anunciadas como sendo de Herzog. Mais tarde, revelou-se que algumas dessas fotos eram do padre canadense Leopold d'Astous. Na década de 70, Leopold e a catequista Terezinha Salles, da paróquia São José, em Brasília, foram presos por agentes do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) e tiveram de posar para os espiões do Exército.

Em resposta a reportagens sobre os arquivos da ditadura, o Comando do Exército divulgou nota fazendo loas ao golpe militar de 1964.-O documento afirmava que o movimento golpista ''fortaleceu a economia, promoveu a fantástica expansão e integração da estrutura produtiva''.

O comando dos militares considerou que a divulgação de fotografias de presos políticos humilhados nos porões dos órgãos de repressão eram uma ''ação pequena'' e que visava a ''reavivar revanchismos ou estimular discussões estéreis sobre conjunturas passadas''.

Ao saber da nota, pela imprensa, Viegas ficou indignado com o teor do manifesto e insatisfeito com os militares por terem envolvido o nome do Ministério da Defesa sem consultá-lo.

''Embora a nota não tenha sido objeto de consulta ao Ministério da Defesa, e até mesmo por isso, uma vez que o Exército Brasileiro não deve emitir qualquer nota com conteúdo político sem consultar o Ministério, assumo a responsabilidade que me cabe, como dirigente superior das Forças Armadas, e apresento a minha renúncia'', afirma Viegas, no pedido de demissão.

Mais adiante, José Viegas diz que a nota do Exército ''representa a persistência de um pensamento autoritário, ligado aos remanescentes da velha e anacrônica doutrina da segurança nacional''. Diz ainda que esse tipo de manifesto é ''incompatível com a vigência plena da democracia e com o desenvolvimento do Brasil no século XXI'' e que ''já é hora de os representantes desse pensamento ultrapassado saírem de cena''.

Apesar de ter dito que a divulgação de uma segunda nota pelo Exército sepultou o assunto e ''recolocou nos seus devidos termos a situação'', Viegas não gostou da atitude do general Francisco Albuquerque.

O comandante do Exército garantiu ao ministro da Defesa não haver lido a nota antes. Entretanto, o ministro demissionário soube que o general recebeu, ainda em Nova Iorque, cópia da nota, antes da divulgação. Na segunda nota, os militares lamentaram a morte do jornalista Vladimir Herzog.

Para completar o quadro, uma semana depois do episódio, uma festa no Clube da Aeronáutica, para marcar o Dia do Aviador, também deixou Viegas ainda mais insatisfeito com o presidente Lula.

Ao chegar ao salão, acompanhado pela mulher, Marisa Letícia, Lula foi aplaudido ao som de ums sucesso dos tempos da Jovem Guarda: O Bom.

De pé, os generais aplaudiam Lula e a mulher, enquanto a banda tocava ''Se Você Quiser Experimentar Sei Que Vai Gostar/ Quando Eu Apareço/ O Comentário É Geral, Ele É O Bom, É O Bom Demais''.

Em seguida, Lula cumprimentou os comandantes das três Armas: Luiz Carlos Bueno (Aeronáutica), Roberto de Guimarães (Marinha) e o general Francisco Albuquerque (Exército), com quem trocou caloroso abraço.

Ontem, José Alencar fez um comentário bem-humorado sobre o novo cargo.

- Nós, jovens, somos sempre muito animados.

A posse do novo ministro da Defesa está marcada para segunda-feira.