O Estado de São Paulo, n. 46765, 31/10/2021. Política p.A9

 

Abrigo de Moro, Podemos tm alvos da PF, Lava Jato e Justiça Eleitoral

 

Luiz Vassallo

 

Suspeitas de candidaturas laranjas, alvos da Polícia Federal e da Operação Lava Jato fazem parte da história da legenda que vai abrigar o ex-juiz federal e ex-ministro Sérgio Moro. O Podemos, que marcou para o dia 10 de novembro o evento de filiação do ex-magistrado e possível presidenciável, tem investido na reformulação de diretórios estaduais para arregimentar potenciais candidatos e tentar ampliar sua presença no Congresso.

Moro é parte dessa estratégia porque é considerado um bom puxador de votos. Mas, ao entrar no partido, terá de conviver com correligionários sob investigação – um deles foi filmado pegando dinheiro de um delator –, e participar de um grupo político que, no Congresso, apoiou desde Dilma Rousseff até Jair Bolsonaro.

No Rio de Janeiro, após a saída do senador Romário, que foi para o PL, o vice-presidente do partido, Eduardo Machado, convidou o bombeiro Patrique Welber para dirigir o diretório do Podemos. Conhecido por atuar nos bastidores de campanhas de diversos partidos, incluindo a coordenação da candidatura do ex-presidente da Alerj, Jorge Picciani (MDB) – condenado a 21 anos de prisão na Lava Jato –, Welber levou com ele um grupo de mais de 40 candidatos a deputado federal. O Podemos não tem representantes do Rio na Câmara.

Em setembro, Welber se tornou secretário estadual do Trabalho do Rio, iniciativa do governador Cláudio Castro (PL) para dar uma pasta ao Podemos, que faz parte de sua base na Assembleia Legislativa (Alerj). A convite do bombeiro, e agora secretário, assumiram cargos de comando no diretório do Podemos o ex-deputado federal Francisco Floriano, que é alvo da Lava Jato do Rio sob suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção na Saúde do Estado, e o empresário Clébio Lopes Pereira – investigado pelo MP estadual por integrar supostos esquemas de desvios na gestão Marcelo Crivella (PRB).

Há também investigados no comando do diretório nacional do Podemos. A presidente da legenda e deputada federal Renata Abreu é alvo de inquérito na Justiça Eleitoral sob a acusação de ter fomentado candidaturas femininas laranja em 2018. O secretário-geral do partido, Luiz Claudio Souza França, foi flagrado em vídeo pegando R$ 38 mil em espécie das mãos do ex-secretário de Relações Institucionais do DF, Durval Barbosa, na Operação Caixa de Pandora – que ficou conhecida como mensalão do DEM. A ação está em fase de alegações finais.

O partido também chegou a abrigar membros do PHS – partido que foi absorvido pelo Podemos – alvos de suspeitas. Entre eles, o advogado Laércio Benko e a ex-deputada Clelia Gomes, que foi candidata a vereador pela legenda no ano passado. Eles são investigados pela PF em um esquema de rachadinhas quando ainda época em que estavam na legenda anterior. Clelia deixou o partido após a eleição, e Benko saiu neste segundo semestre para dirigir o PMB.

 

FUSÃO. Antes de entrar para o Podemos, Benko e o vice-presidente, Eduardo Machado, estavam em lados opostos na disputa pelo comando do PHS. Por força de uma decisão judicial, Machado foi afastado da direção da legenda. Rivais também chegaram a acusá-lo de irregularidades. Em 2017, a briga foi parar na Polícia, quando um tesoureiro da legenda aliado de Machado foi acusado de invadir seu diretório e levar documentos. Em 2018, o PHS foi enquadrado na cláusula de barreira, e, em um acordo entre Machado e Renata Abreu, acabou incorporado ao Podemos. Os antigos rivais no PHS entraram em armistício na atual legenda.

De um lado, a fusão fez com que a cota do fundo eleitoral do Podemos saltasse de R$ 36 milhões para R$ 77 milhões, em 2020. De outro, uma série de irregularidades nas prestações de contas do PHS referentes a 2014 custaram ao Podemos uma multa de R$ 2,8 milhões. Quando relatora do projeto de reforma eleitoral na Câmara, Renata Abreu inseriu em uma primeira versão de sua proposta um dispositivo que previa a desoneração de partidos de assumirem multas de legendas que aglutinaram, em razão de pendências com o TSE. O texto acabou alterado pela parlamentar, dias depois.

O partido se diz independente no Legislativo, mas tem acompanhado o governo federal em cerca de 80% das votações. Em uma sessão recente, ficou dividido em uma pauta cara ao ex-juiz das Lava Jato. Cinco deputados votaram a favor da PEC 5, que propôs alterações no Conselho Nacional do Ministério Público, e outros cinco votaram contra. Foi um caso isolado. Em outros projetos, como a proposta de tirar o Coaf de Moro _ ainda no Ministério da Justiça –, o partido votou a favor do ministro. O Podemos também foi contra a ampliação do fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões em 2022.

O partido foi fundado como Partido Trabalhista Nacional, pelo ex-deputado Dorival de Abreu, tio de Renata, nos anos 1990, como uma espécie de sucessor do antigo PTN do expresidente Jânio Quadros. O slogan exibia a sigla ao lado da vassourinha, em referência ao jingle de Jânio na década de 60: “Varre, varre, vassourinha. Varre, varre a bandalheira”, dizia a música. Além de Dorival, o pai de Renata, ex-deputado José de Abreu, dirigia o partido, que, por anos, teve escritório dentro do Centro de Tradições Nordestinas, na zona norte de São Paulo, criado pelo clã.

Em 2013, o PTN acabou envolvido em uma polêmica relacionada ao mensalão, quando um hotel em nome de uma offshore no Panamá e do irmão de José de Abreu deu emprego ao exministro José Dirceu, com salário de R$ 20 mil, quando o petista precisava comprovar que teria um emprego para migrar para o regime semiaberto.

No mesmo endereço da offshore estava registrado um escritório da JD Assessoria, que, anos depois, levaria Dirceu ao centro da Lava Jato. Somente em 2017, a legenda foi transformada em Podemos, sob o comando da atual presidente, e começou a arquitetar a candidatura de Álvaro Dias à Presidência, que terminou com 0,8% dos votos no primeiro turno.

Pelo Podemos, também passaram parlamentares, como o pastor Marco Feliciano, expulso por apoiar Bolsonaro em 2018, e a ex-juíza Selma Arruda, eleita por Mato Grosso em 2018 sob a alcunha de “Moro de saias” e defenestrada do Senado após ser condenada por caixa dois no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

 

‘ABERRAÇÃO’. A deputada federal Renata Abreu afirmou ao Estadão que “não há nem houve qualquer candidatura laranja no Podemos de São Paulo”. “Tenta-se com este processo considerar todas as candidaturas que não tiveram recursos financeiros partidários como laranjas, uma aberração do ponto de vista jurídico, que só tem o propósito de polemizar”, disse.

Luiz Claudio Freire de Souza França afirmou que a ação penal que responde na Operação Caixa de Pandora “está em primeira instância, com defesa nos autos”. Ele se diz confiante na Justiça e afirmou que a ação por improbidade prescreveu.

A ex-deputada Clélia Gomes e o advogado Laércio Benko não foram localizados. Nos autos, suas defesas negam desvios. O Estadão não localizou Clébio Lopes Pereira e o ex-deputado Francisco Floriano. O presidente do Podemos no Rio, Patrique Welber, se negou a responder os questionamentos da reportagem. Renata Abreu disse que o “Podemos já retirou do partido pessoas com condenações e assim vai proceder, desde que respeitado o direito de defesa e o devido processo legal”. •

 

Quase aliado

O partido se diz independente no Legislativo, mas tem acompanhado as posições do governo em cerca de 80% das votações

 

Sob investigação

• Lava Jato Rio

Dirigente do Podemos no Rio, o ex-deputado federal Francisco Floriano é alvo de desdobramentos da Operação Lava Jato sob suspeita de crimes contra a administração pública, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

 

• Justiça Eleitoral

A presidente do Podemos, deputada federal Renata Abreu, é investigada em um inquérito na Justiça Eleitoral sob suspeita de fomentar candidaturas femininas laranjas em 2018.

 

• Caixa de Pandora

O secretário-geral do partido, Luiz Claudio Freire Souza França, foi flagrado em vídeo recebendo R$ 38 mil em espécie das mãos do exsecretário de Relações Institucionais do Distrito Federal Durval Barbosa – a investigação fez parte da Operação Caixa de Pandora.

 

• 'Rachadinha' 

Nomes que eram ligados ao PHS, partido que foi absorvido pelo Podemos, Laércio Benko e Clelia Gomes são investigados por suspeita de esquemas de "rachadinha". Eles deixaram o Podemos.