O Globo, n. 32693, 09/02/2023. Economia, p. 11

Líderes ecoam críticas de Lula

Alice Cravo
Renan Monteiro
Geralda Doca


Parlamentares da base aliada do governo endossaram ontem as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à atuação do Banco Central (BC) e de seu presidente, Roberto Campos Neto. Depois de reunião no Planalto, líderes chegaram a falar em “enquadrar” Campos Neto e convocálo ao Congresso. Já o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, negou que haja um processo de fritura e assegurou que não há planos de mudar a autonomia do BC.

O presidente do Solidariedade, Paulinho da Força, afirmou que Campos Neto precisa ser “enquadrado” e defendeu que ele seja convocado pelo Congresso para prestar esclarecimentos sobre o motivo de a taxa básica de juros (Selic) estar em 13,75% ao ano. O mercado estima que ela ficará nesse patamar até dezembro.

— O presidente do Banco Central tem que ser enquadrado, ser convocado no Congresso, na Câmara, no Senado, e explicar por que tem que manter juros reais de 8%. Acho que isso é um debate que tem que se fazer porque isso significa se o governo Lula vai ser bom ou ruim —afirmou.

— Com certeza, a Câmara e o Senado vão convocá-lo.

As declarações foram dadas após a reunião de Lula com o Conselho Político da Coalizão, com parlamentares que fazem parte da base do governo no  Congresso. Participaram da reunião os ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Marina Silva (Meio Ambiente), Fernando Haddad (Fazenda) e Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), além do vice Geraldo Alckmin, da presidente do PT, Gleisi Hoffmann; e os líderes do PT, Zeca Dirceu; do governo na Câmara, José Guimarães; no Congresso, Randolfe Rodrigues; e no Senado, Jaques Wagner.

Defesa de convocação

Enquanto Lula tem ampliado a ofensiva contra o presidente do BC, o mercado tem revisto para cima a as projeções de inflação. Com expectativas de um IPCA alto, houve impacto ao longo dos últimos dias no mercado de juros futuros. Na prática, os sinais de falta de sintonia entre o Planalto e o BC ampliam as incertezas e dificultam a queda da Selic.

Especialistas lembram ainda que perseguir o cumprimento das metas de inflação é justamente o trabalho do BC.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) defendeu ontem a autonomia do BC, dizendo que é um avanço. E disse que Lula e Campos Neto vão se entender:

— São todos homens de boa intenção e como homens de boa intenção se reúnem e os problemas se resolvem.

Randolfe (Rede-AP) afirmou que o objetivo do governo é chegar ao fim do ano com a Selic em 8% ou 7%. Isso, ressaltou, será possível com a aprovação da reforma tributária, do novo arcabouço fiscal e da retomada do voto de qualidade no Carf.

— Se nós nos resignarmos aos 13,75%, a gente vai se conformar com 0,77% de crescimento no final do ano —disse Randolfe. —Onde foi estabelecido que o debate da taxa de juros não pode ser feito pela sociedade e pela política?

O vice-líder do governo no Congresso, Reginaldo Lopes (PT-MG), disse que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, compartilha das críticas de que não haveria “base teórica” para o atual patamar de juros no Brasil.

Zeca Dirceu disse que o debate é sobre as medidas tomadas e não sobre a autonomia do BC. Segundo ele, o setor produtivo “não consegue mais produzir” com a Selic em 13,75%:

— Acho positivo que o presidente do BC vá ao Congresso e explique o que é inexplicável: essa taxa de juros.

Fazendo coro, Randolfe argumentou que é natural que Campos Neto seja um dos primeiros a comparecer nas comissões no início do ano legislativo.

O ministro Padilha, no entanto, negou que Lula tenha pedido aos parlamentares da base que haja uma convocação ou convite a Campos Neto para ir ao Congresso.

Padilha garante autonomia

Segundo Padilha, o governo não trabalha para a convocação de Campos Neto. Ele descartou que haja um processo de fritura — na terça-feira, Lula disse que o Senado pode trocar o comando do BC —e disse que o governo não estuda alterações na política da autoridade monetária:

— Não existe nenhuma iniciativa do governo de mudança da lei atual do Banco Central e nenhuma pressão sobre qualquer mandato. A lei estabelece claramente que você tem mandatos que serão cumpridos.

Ele ressaltou que o que existe é a vontade de “fomentar o pleno emprego, suavizar qualquer flutuação econômica, garantir estabilidade econômica.”

Padilha disse que, nos outros mandatos, Lula garantiu a autonomia das decisões do BC:

— O presidente Lula, ao longo dos oito anos em que governou o país, tinha falas similares a essa. Isso não impediu, em nenhum momento, que quem presidiu o BC tivesse autonomia para as decisões.

Paulinho da Força, porém, disse que outros participantes da reunião endossaram as críticas de Lula ao BC. Segundo ele, Campos Neto “está fazendo o jogo da Faria Lima em detrimento do país.”

Lula, por sua vez, disse aos líderes que o governo “tem direito de estabelecer sua política econômica”:

— Vocês foram eleitos pelo povo brasileiro e todos vocês e o governo têm direito de estabelecer sua política econômica, de estabelecer sua política social, e temos que tentar fazer dentro das nossas possibilidades aquilo que foi o propósito que ganhamos as eleições.

As declarações de Padilha fizeram o dólar fechar com leve queda de 0,06%, a R$ 5,1959. E ajudaram o Ibovespaa subir 1,97%, aos 109.951 pontos.