O Globo, n. 32693, 09/02/2023. Saúde, p. 19

“Há uma mudança de discurso, nós queremos estimular a vacinação''

Entrevista Éder Gatti - Diretor de imunização do Ministério da Saúde


Recém-empossado ao cargo de diretor do Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde, o infectologista Éder Gatti tem uma missão hercúlea adiante: dirigir o país às altas taxas de vacinação em meio a estoques limitados de imunizantes. Ao mesmo tempo, é demandado a dar respostas céleres à vacinação da Covid-19, cujo momento é absolutamente propício para o reforço: os casos estão em baixa e dá tempo de oferecer proteção aos mais vulneráveis até o aparecimento de uma eventual nova onda. E, por fim, tem que dar andamento à vacinação de crianças que esteve claudicante até aqui.

Em entrevista exclusiva ao GLOBO, o especialista fala sobre como encontrou o depósito de vacinação no país, com falta de doses absolutamente fundamentais, e faz um apelo: que os atrasados busquem as aplicações faltantes.

Qual foi o cenário encontrado no departamento de imunização?

O Programa Nacional de Imunização (PNI) tinha 18 milhões de doses de vacinas Covid-19 de RNA mensageiro bivalentes, um quantitativo insuficiente para fazer uma ação de vacinação ampla. Teríamos que restringir a vacinação para as pessoas com mais de 70 anos ou imunocomprometidos e só. Não havia qualquer vacina para o público infantil. Faltava Pfizer pediátrica, a baby e nem CoronaVac tinha no Brasil. Sem contar que tínhamos outros problemas. O estoque era muito restrito, com risco de desabastecimento, de hepatite B, BCG, tríplice viral e da vacina oral da pólio. Ficava difícil planejar qualquer ação visando recuperar a cobertura vacinal com esses imunobiológicos.

O que foi feito?

Conseguimos por meio dos fornecedores, tanto a Pfizer quanto o Covax Facility, um quantitivo de doses de Covid-19 bivalente que permitiu que ultrapassássemos o número de 49 milhões de doses necessárias para imunizar os grupos prioritários. Isso foi uma conquista nossa. Vamos começar em 27 de fevereiro a vacinar a todos os prioritários com a Pfizer bivalente. Não poderemos vacinar todos de uma vez, mas vamos vacinar de maneira escalonada. O cronograma é certo.

Como estão as vacinas pediátricas?

Há cerca de uma semana os estados receberam Pfizer Baby e CoronaVac para a vacinação das crianças. Conforme recebemos, estamos disponibilizando aos estados. A primeira coisa que temos que fazer para que seja retomada a cobertura vacinal de um grupo é garantir que esse imunobiológico esteja lá. Uma vez que estávamos num cenário que não tinha doses suficientes e agora tem, é um passo importante.

Há doses para todos os menores de 6 anos?

Conforme recebemos, vamos mandando. Estamos abastecendo conforme o produtor envia. As solicitações dos estados foram atendidas. Vamos estimular a população a ser vacinada, que se vacinar é importante. Covid-19 é grave, está circulando e pode matar. Vamos passar a mensagem para a população de que as vacinas são seguras. Há uma mudança de discurso por parte do governo, esperamos estimular as pessoas a se vacinarem.

A falta de vacinas de BCG, Tríplice Viral e hepatite estavam próximas a zero normalizaram?

As soluções para esses problemas são complexas e envolvem diversos atores — inclusive quem produz as vacinas. Muitas vezes chegamos a comprar fora do Brasil para compensar. A ideia é regularizar esses estoques o quanto antes. Por isso nós colocamos as estratégias para recuperar a cobertura vacinal de rotina — focadas em sarampo e pólio – para maio. Não está completamente zerado, existia o risco de abastecimento que estamos correndo atrás para resolver. Se eu falar para você que vou fazer campanha de sarampo e pólio eu vou ter dificuldades de estoque deixada pela gestão anterior.

Pólio e sarampo têm estratégia de vacinação de bloqueio, se tivéssemos surtos seria possível realizar essas ações para barrar o vírus?

Não estamos zerados, mas temos estoque que mostra risco de desabastecimento. Diante de emergência de saúde, revisarmos nossas prioridades. Tem que lembrar que o sarampo desde meados do ano passado não há casos. Isso é motivo de ficar tranquilo? Não é. Temos bolsões de baixas coberturas no Brasil. Há ainda a pressão externa de outros países que registram casos de sarampo — o que nos traz risco.

O Ministério da Saúde vai retomar o controle dos programas de vacinação que foram descentralizados na pandemia? Cada estado tinha sua própria política…

Nossa postura é manter a gestão da vacinação sob o Programa Nacional de Imunização (PNI) e as decisões técnicas serão tomadas nas câmaras do PNI.

Qual será o futuro da AstraZeneca e da CoronaVac, que ainda não têm versões atualizadas?

Essas vacinas tiveram papel fundamental no combate à Covid-19. Foram as vacinas que primeiro chegaram ao Brasil e foram muito importantes para controlar a doença, naquele momento muito difícil da segunda onda. Pode ter certeza que elas salvaram muitas vidas. A AstraZeneca é recomendada (como reforço) para pessoas de 40 a 59 anos, é uma vacina monovalente (feita com a cepa original), fora do público prioritário. A CoronaVac é também importante porque é indicada para público pediátrico, logo que começou o novo governo compramos o estoque do Butantan (2,5 milhões de doses) de vacinas pediátricas. Vamos comprar mais, para o público pediátrico.

O Brasil tem interesse em comprar vacinas da fabricante Moderna, também de RNA Mensageiro?

A entrada de uma nova de uma nova vacina de RNA Mensageiro, como opção, é importante porque isso vai diversificar as nossas opções. Se vamos adquirir ou não é preciso acompanhar o andamento da campanha. Por enquanto, nossa câmara técnica recomendou a vacinação de públicos prioritários. Estamos trabalhando para incluir grupos que ficaram de fora. Como, por exemplo, as pessoas com comorbidades e menos de 60 anos. Estamos trabalhando para conseguir mais doses e incluir esse grupo. Ainda é cedo (para falar em compra), mas tivemos sim contato prévio com o laboratório e ainda é uma opção. Temos, inclusive, um contrato vigente com a Pfizer. Todas as ações são pautadas pela câmara técnica, coisa que não acontecia (na gestão anterior), acontecia de maneira errática.

Haverá indicação, de mais reforços, para que tem menos de 60 anos e nao tem comorbidades?

A nossa principal luta é para que as pessoas complementem o esquema vacinal (de três doses e reforço) para Covid-19. Ainda falta muita gente tomar dose de reforço e fazemos um apelo para que as pessoas procurem postos de saúde para regularizar sua situação. Na nossa atual fase vamos oferecer a vacina para quem tem risco mais grave de piora ou de morte pela doença. Vale lembrar que até 39 anos é um reforço (quarta dose), com 40 anos ou mais são dois.

Quem não é do grupo de risco, tem menos idade, e está com todas as doses previstas deve continuar assim?

Deve continuar assim. É preciso dizer que, com os reforços previstos (para esse público), a pessoa está protegida para hospitalização e morte.