Título: O homem forte
Autor: Alexandre Werneck
Fonte: Jornal do Brasil, 05/11/2004, Caderno B, p. B-1

No Dia da Cultura, o sociólogo Juca Ferreira, apontado como figura de confiança de Gilberto Gil no MinC, nega que seja o verdadeiro cabeça da pasta Juca Ferreira está parado, de pé, na porta de uma sala do Palácio Gustavo Capanema, a sede carioca do Ministério da Cultura, no Centro. De repente, chega pela entrada Antônio Grassi, presidente da Funarte. Grassi cumprimenta o amigo com um brado, como se enunciasse o epíteto de um cavaleiro:

- PV de metralhadora!

Já virou piada no MinC e para o próprio Juca Ferreira, baiano, de 55 anos, militante histórico do Partido Verde. Secretário-executivo do MinC, o segundo homem na hierarquia do ministério capitaneado por Gilberto Gil vive sob a onda de boatos de que seria ele o verdadeiro ministro. Pelo mito, funcionaria na casa uma espécie de parlamentarismo. Gil, o chefe de Estado; Juca, o de governo. Essa história já rendeu a ele apelidos como ''O Zé Dirceu do Gil''. A brincadeira de Grassi soa como uma ironia diante da recorrência do boato, que o baiano renega:

- Eu poderia até ficar lisonjeado com essa visão de que sou o homem forte do ministério, mas é preciso pintar um quadro mais real. Quem presta atenção aos discursos de Gil percebe de onde vem a orientação do Minc. Ele é o ministro de fato e de direito.

O chefe de Juca, entretanto, trata o disse-me-disse com mais segurança do que o próprio ''primeiro-ministro da Cultura''.

- É simples: eu viajo, tenho que viajar. Juca fica mais no ministério, tem que ficar. Divisão de trabalho, que existe em qualquer lugar e é feita em função das personalidades - diz Gil.

E complementa, para tirar o peso da história:

- Ele é forte, e é bom que seja. É para ser um homem forte mesmo. Não me incomoda que digam que sou menos forte por isso. Sou mesmo. Não estou lá para ser forte. Juca é meu homem de confiança.

Juca ganhou tal fama, entre vários motivos, por ser realmente um homem de personalidade forte. Não leva desaforo para casa e dá respostas a qualquer um, o que ficou claro numa edição do programa Roda viva, da TV Cultura, quando em agosto foi defender o projeto de criação da Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav) em mais uma das polêmicas levantadas diante de propostas do MinC.

Hoje, Dia Nacional da Cultura, não deixa de ser oportuno ouvir de Juca sua visão da política cultural do país, da qual se tornou um dos principais encarregados de implantar. Ele comenta por exemplo o caso da criação da Ancinav, que gerou acusações de que o governo queria se meter na produção do cinema e da TV.

- Tentaram deslocar aquele problema de uma questão econômica para uma idéia absurda de que estávamos querendo cercear a liberdade de expressão. Eu sinto que à medida que a gente insiste na discussão, alguns segmentos se sentem desconfortáveis de discutir publicamente seus interesses corporativos e vão tentar me usar como metáfora do desentendimento. Em vez de bater em Gil, vão vir para cima de mim para atingi-lo.

Mas, segundo ele, isso não deve surtir efeito:

- Sou uma pessoa democrática. Mesmo nos meus anos de radical, eu era radicalmente democrático. Afinal, quem estava do lado da ditadura não era eu.

Não estava mesmo. João Luiz Silva Ferreira, o Juca, estudou em colégio militar e foi liderança da direção secundarista do PCB, em 1966. Depois, chegou a integrar o grupo Dissidência do Rio de Janeiro, que mais tarde viraria o MR-8. Dirigiu a UNE (foi eleito em 13 de dezembro de 1968, o dia do AI-5). Depois, entrou para a clandestinidade e em 1970 foi preso. Depois de várias peripécias, viajou para o Chile em 1973, mas, com a queda de Salvador Allende, seguiu para a Suécia, onde viveu por sete anos. Nesse período, conseguiu fazer o curso de sociologia da Sorbonne, em Paris.

- Vivi no país que tinha a melhor distribuição de renda do mundo e voltei para este aqui, que tem uma das piores. Não consegui me manter longe da política depois que retornei - diz.

Retomou a política pela via da luta ambiental. Foi vereador pelo PV da Bahia nos anos 80 e, na luta pelo meio ambiente, conheceu Gil, de cuja Fundação Onda Azul foi diretor. Por conta de seu histórico, ele diz que sua atuação no MinC é a de um militante. Por isso, ele rebate com veemência as críticas de que o ministério tem sido lento demais no desenvolvimento de uma nova política cultural:

- Se a gente perde em tempo, ganha em profundidade e ampliação. Essa impaciência se deve a uma falta de cultura democrática no Brasil. Nós estamos acostumados a ver o governo definir dentro de seus gabinetes as políticas públicas, a observá-lo impondo à sociedade o seu ponto de vista. O modelo em que acreditamos é o de negociar com a sociedade.

Juca acredita, assim como Gil, que o centro da política cultural deve ser a democratização do acesso aos bens culturais. Para isso, ele diz, é preciso de dinheiro, que deve, sim, ser oferecido pelo MinC.

- Achamos que o Estado tem um papel central no financiamento. Para isso é necessário um orçamento muito maior do que existe. Recebemos um modelo do outro governo, que era uma desresponsabilização e transferência para a iniciativa privada de dinamizar culturalmente o país. Estamos recuperando a responsabilidade do Estado.

Para Juca, a história de ''primeiro-ministro'' tem três origens. A primeira é o fato de ele conseguir boa desenvoltura nas duas funções de seu cargo, a do funcionamento administrativo do ministério e a da gestão política.

- É difícil encontrar pessoas que tenham capacidade de formulação política e capacidade de execução. Em geral, as pessoas que desenvolvem essa capacidade intelectual perdem um pouco essa capacidade operacional. E vice-versa. Mas por força de minha biografia, desenvolvi as duas potencialidades.

A segunda seria seu percurso ao lado de Gil. A última, um caso específico: o episódio, ocorrido em fevereiro, da demissão do secretário de Desenvolvimento de Programas e Projetos, Roberto Pinho, devido a acusações feitas por Juca. Começou a circular, por conta de várias declarações dos envolvidos, a história de que havia uma luta de poder no ministério, e que o seu principal ator era Juca.

- Nunca havia sido acusado de autoritário, homem forte, nada disso. Essa idéia surgiu do contexto daquele momento, porque, pela minha função, eu que tive que dar uma resposta. Era minha função.

O resto, ele acha que é uma forma de desqualificar o trabalho do ministério e de Gil:

- O ministro é cada vez mais solicitado e está cada vez mais fora do ministério. Isso não traz grandes abalos para o ministério. Atualmente, com o desenvolvimento das comunicações, a qualquer momento estamos em contato. Hoje, o ministro estar em Sergipe ou estar em Berlim não muda muito. Estamos sempre ligados, até por celular.

Por conta do temperamento tranqüilo, mas enérgico, Juca tem sido o soldado mais forte em todas as vezes que é preciso mexer em ''vespeiros''. Uma das atuações mais fortes dele foi no caso da ''contrapartida social'', em 2002. Ali, o processo de financiamento cultural das estatais foi posto em discussão devido às acusação do cineasta Carlos Diegues de que eles promoviam ''dirigismo cultural''. Antes de Diegues, entretanto, o próprio Juca já havia se manifestado contra os editais, por exigirem interligação entre conteúdo e políticas governamentais.

- Muita gente até pensou que eu tinha incentivado o Cacá a dizer aquilo - diz ele.