Correio Braziliense, n. 21641, 17/06/2022. Político, p. 4

Fux lamenta: “Extrema tristeza”

Fernanda Strickland


Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux lamentou a morte do indigenista Bruno Araújo Pereira e do jornalista Dom Phillips. “Os Observatórios de Direitos Humanos e do Meio Ambiente do Conselho Nacional de Justiça manifestam profundo pesar diante das informações da confissão dos assassinatos”, diz a nota.  O magistrado anunciou que o grupo de trabalho criado no CNJ vai acompanhar “os desdobramentos e a efetiva punição dos eventuais culpados, para garantia da célere prestação da justiça”.

“Em nome dos observatórios e do grupo de trabalho, o ministro Luiz Fux manifesta extrema tristeza pelos acontecimentos e afirma às famílias e aos amigos que a luta do indigenista e do jornalista para garantia dos direitos humanos e da preservação da Amazônia jamais será esquecida”, diz o comunicado.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também emitiu nota de pesar: “Acima de tudo, o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, juntamente com os ministros e ministras que integram a Corte Eleitoral, se solidarizam com os familiares de Bruno e Dom e enviam os mais sinceros sentimentos pelo trágico desfecho. O ministro Fachin reforça, ainda, que é imperativo constitucional que a sociedade e o Estado respeitem os povos tradicionais”.

A nota destaca que Bruno foi importante parceiro da Justiça Eleitoral. “Nas eleições gerais de 2014, por exemplo, ajudou na instalação de cinco seções eleitorais no Vale do Javari, quando a Justiça Eleitoral realizou, pela primeira vez, eleições na Terra Indígena, que fica localizada no extremo oeste do estado do Amazonas, na fronteira com o Peru”, ressalta. “Esse auxílio foi fundamental para que indígenas da região pudessem exercer a cidadania por completo ao eleger seus representantes. Na época, viviam cerca de 5,5 mil indígenas das etnias Marubo, Matís, Mayuruna, Kanamary e Kulina.”

Segundo a Corte, “Dom Phillips, jornalista britânico, veterano na cobertura internacional, era conhecido pelo amor pela região amazônica, sendo ativo nos relatos da crise ambiental brasileira e dos problemas das comunidades indígenas”. “O presidente do TSE destaca que uma imprensa livre, segura e plural é condição essencial para uma sociedade democrática”, destaca. “Com a morte trágica de Bruno e Dom, perdem os familiares e também perde a democracia, a imprensa, perdem todos. Um país só se faz dignamente com respeito, paz e justiça.”

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) disse que a morte de dois profissionais reconhecidos internacionalmente pela importância dos respectivos trabalhos desenvolvidos na Amazônia é mais uma triste página do histórico de conflitos que assola a região. A entidade disse que acompanhará os desdobramentos do caso e atuará na cobrança às autoridades da “responsabilização dos autores desse crime brutal”. “Neste momento de profunda dor, a OAB se solidariza com as famílias de Bruno Pereira e Dom Phillips, e todos os jornalistas e ambientalistas que enfrentam inaceitáveis riscos e ameaças no cumprimento de suas missões”, disse Beto Simonetti, presidente nacional da OAB.

Entidades ligadas à segurança pública e à proteção do meio ambiente também se posicionaram sobre as mortes. Conforme as organizações, o episódio reflete o avanço do crime organizado no Brasil. Para a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), o crime expõe de forma dramática essa realidade. “Isso ocorre em maior ou menor grau nos diferentes territórios da Amazônia, tanto no Brasil quanto nos demais países da região”, ressaltou. De acordo com a FAS, o caso reflete uma realidade que resulta “em dezenas de mortes de lideranças de povos indígenas, populações tradicionais e ambientalistas, a maior parte delas que termina no anonimato e na impunidade”.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) enfatizou que o crime tem de ser apurado com rigor pelas autoridades envolvidas. “As mortes de Bruno e Dom são mais um capítulo da violência extrema de desaparecimentos e assassinatos de lideranças indígenas e ativistas de direitos que tomou conta da Amazônia, onde grupos criminosos armados controlam extensas faixas do território nacional e exploram o tráfico internacional de drogas, armas, pessoas e recursos naturais, como minérios, madeira e animais”, frisou.

Linha do tempo

5/6 — DESAPARECIMENTO E INÍCIO DAS BUSCAS

Às 6h de 5 de junho, um domingo, o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips (foto), colaborador do The Guardian, chegam à comunidade de São Rafael para se encontrar com o líder comunitário “Churrasco”. Conversam com a esposa dele e seguem para Atalaia do Norte. A viagem duraria aproximadamente duas horas, mas os dois desaparecem. Os indígenas da vigilância e policiais do 8º Batalhão em Tabatinga (AM) iniciam as buscas na região.

6/6 — PRISÃO DOS PRIMEIROS SUSPEITOS

A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e o Observatório de Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) divulgam nota acusando as 24 horas de desaparecimento da dupla, e que Bruno recebia ameaças de criminosos. As autoridades soltam as primeiras informações. Polícia Federal do Amazonas (PF-AM) ouve duas testemunhas e prende dois pescadores suspeitos, “Churrasco” e “Jâneo”. A Marinha do Brasil anuncia o envio de equipe para a operação.

7/6 — REFORÇO NA OPERAÇÃO E NOVA PRISÃO

O Ministério das Relações Exteriores passa a acompanhar o caso e o presidente Jair Bolsonaro fala que os desaparecidos faziam uma “aventura não recomendável” na Amazônia. A pressão sob o governo aumenta. A imprensa internacional clama por mais buscas. A Univaja critica a atuação e cobra que o governo federal assuma a coordenação da operação. A PF envia mais uma equipe para Atalaia do Norte, e as buscas são reforçadas com mais um helicóptero e com o Exército. É feita a prisão em flagrante, pela Polícia Civil, de Amarildo Oliveira, 41, conhecido por “Pelado”, por porte de drogas e munição de uso restrito.

8/6 — PRIMEIRA COLETIVA EM MANAUS

A pressão da mídia continua e a Justiça determina que o governo federal reforçe as buscas. A Polícia Federal envia outra equipe de agentes para auxiliar nas buscas fluviais, junto com o apoio de helicóptero do Exército para reconhecimento da área próxima à Terra Indígena. A PF realiza a primeira coletiva com jornalistas.

9/6 — COMITÊ DE CRISE E NOVAS PROVAS

A PF monta o Comitê de Crise para atualizar os jornalistas. A primeira informação é de que encontraram vestígios de sangue na embarcação de Amarildo Oliveira. O barco é apreendido para realização de perícia.

10/6 — SINAIS DE ESCAVAÇÃO E MATERIAL ORGÂNICO

Indígenas voluntários nas buscas encontram sinais de escavação, com “terra batida”,  às margens do rio, próximo à Comunidade de Cachoeira, em Atalaia do Norte. O Corpo de Bombeiros inicia varredura. Neste dia, também é encontrado “material orgânico aparentemente humano”, próximo ao porto de Atalaia Norte, que são enviados para o Instituto Nacional de Criminalística da PF, em Manaus. São recolhidas amostras genéticas de Bruno e Dom junto aos familiares. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, determina prazo de cinco dias para que as autoridades apresentem um relatório sigiloso com as informações adotadas nas investigações. O descumprimento do prazo implica multa diária de R$ 100 mil.

12/6 — MOCHILA ENCONTRADA

Protestos no Rio de Janeiro (RJ), no Distrito Federal (DF) e em Belém (PA) pedem as respostas das autoridades sobre o paradeiro de Bruno e Dom. Artistas fazem apelo a Bolsonaro que “se empenhe” nas buscas. A Univaja informa que encontrou nova embarcação na região de busca, mas que o proprietário precisava ser confirmado. Mergulhadores do Corpo de Bombeiros encontram uma mochila em uma árvore submersa, com pertences semelhantes aos dos desaparecidos. A perícia também identifica que material orgânico encontrado era compatível com estômago humano.

13/6 — OBJETOS PESSOAIS ENCONTRADOS

Fotos de objetos pessoais de Bruno e Dom são divulgadas pela PF: uma mochila, um laptop, chinelos e botas, além do cartão de saúde do indigenista. Eles estavam próximos à casa de “Pelado”, principal suspeito. A corporação nega que os corpos tenham sido encontrados.

14/6 — CRÍTICAS DA FAMÍLIA E MAIS UMA PRISÃO

A família das vítimas critica as informações contraditórias dadas pelo representante da embaixada brasileira em Londres, Roberto Doringpela, e pela PF sobre encontrarem os corpos. A corporação prende novo suspeito, Oseney da Costa de Oliveira (foto), conhecido como “Dos Santos”, irmão de Amarildo. Mais objetos são apreendidos após cumprimento de dois mandados de busca e apreensão e levados para análise. São encontrados cartuchos de arma de fogo e um remo.

15/6 — CONFISSÃO

As suspeitas de que a PF tinha chegado aos corpos dos desaparecidos é confirmada à noite, quando, em coletiva, o superintendente Alexandre Fontes informa que Amarildo Oliveira tinha confessado de forma voluntária o crime. Segundo a confissão, os dois foram mortos a tiros, depois foram esquartejados e queimados. Amarildo ajuda os agentes a fazerem a reconstituição. O suspeito leva todos até o local onde enterrou a dupla — 3,1km mata adentro de onde ocorreu o crime — e a PF confirma que “remanescentes humanos” foram encontrados na área das escavações. O material é encaminhado para o Instituto de Criminalística da PF em Brasília, que chegou ontem na capital para ser periciado.