O Estado de S. Paulo, n. 46734, 30/09/2021. Política, p. A4

Senado aprova projeto que afrouxa Lei de Improbidade

Breno Pires
Amanda Pupo


Com aval de aliados do governo Jair Bolsonaro e da oposição, o Senado aprovou ontem, por 47 votos a 24, projeto que afrouxa a Lei de Improbidade Administrativa e dificulta a punição de políticos. Agora, um prefeito, por exemplo, só será punido pela lei se ficar comprovado que ele teve a intenção de lesar a administração pública. Não basta apenas ele ter lesado.

O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, disse que a medida “é um enfraquecimento sem precedente da legislação de combate a administradores e empresas corruptos”. “Seremos cobrados, inclusive internacionalmente”, disse ele ao Estadão. A posição é corroborada por integrantes do Ministério Público e especialistas, que veem brechas para a impunidade.

Parlamentares, por outro lado, argumentam que era preciso atualizar a legislação que permite punir, por exemplo, atraso na apresentação de uma prestação de contas. Atualmente a pena vai de aplicação de multa até a cassação de mandato.

Para que a medida pudesse avançar no Senado, o relator, senador Weverton Rocha (PDTMA), fez alguns ajustes no texto aprovado na Câmara, em junho, mas manteve a essência do projeto. O principal ponto é o que prevê punição por improbidade apenas nos casos em que seja comprovado o “dolo específico”, ou seja, a intenção de cometer irregularidade. Assim, mesmo que a conduta de um prefeito ou de qualquer agente público resulte em prejuízo à administração pública, ele só será condenado se for provada a sua intenção. Como o texto foi alterado, será necessária uma nova votação pelos deputados antes de ir à sanção presidencial.

Com as mudanças aprovadas ontem, o Senado restringiu também os casos que podem gerar punição por violação aos princípios da administração pública. A chamada “carteirada” de agentes públicos e até mesmo “furar a fila” da vacina não poderão mais ser enquadrados na Lei de Improbidade.

Além disso, pelo texto aprovado, apenas o Ministério Público poderá apresentar ações de improbidade. Hoje, a Advocaciageral da União (AGU) e procuradorias estaduais e municipais também podem. Com a mudança, porém, a AGU não poderia mais ajuizar ações em nome da Petrobras contra as empreiteiras investigadas na Lava Jato.

Outra possibilidade de benefício a parlamentares é o fim da perda da função pública de quem tenha mudado de cargo ao longo do processo. Atualmente, se um senador é condenado à perda do cargo por atos que praticou no passado, quando era prefeito, por exemplo, ele perde a atual função. Com o novo projeto, essa punição não ocorre.

A legislação atual foi criada em 1992 para combater a sensação de impunidade, em meio ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. O afrouxamento das regras foi defendido por Bolsonaro no início do ano. “Tem muita lei do passado que realmente é para combater a corrupção e etc, mas engessa o prefeito”, disse o presidente, na ocasião.

O projeto que dificulta punir políticos teve uma tramitação “relâmpago” no Senado. Foi aprovado pela manhã na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e no plenário à noite.

Para isso, Weverton – que é réu em ação de improbidade – costurou um acordo que amenizou alguns pontos do texto que saiu da Câmara. Ele voltou atrás no artigo que previa apenas seis meses de duração para os inquéritos civis com base na lei.

Agora, será um ano, que pode ser prorrogado pelo mesmo período. O relator também desistiu de impedir a punição em casos de nepotismo – a contratação de parentes em cargos públicos por políticos. A medida chegou a ser incluída na primeira versão do projeto.

Prazos. Uma mudança, em especial, causou discussão entre os parlamentares: a redução para quatro anos do prazo que o poder público tem para concluir uma ação de improbidade. A maioria dos casos, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, leva mais tempo do que isso para julgado, o que poderia levar ao fim de 40% das ações.

Os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmaram que a regra foi feita para livrar autoridades como o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), réu em ação de improbidade. “Não há razoabilidade na redução do prazo prescricional para a Lei de Improbidade como colocado. Não há urgência que não seja favorecer quem cometeu o ilícito. Esse artigo 23 cria o ‘in dubio’ pró-lira”, disse Randolfe. “Não podemos concordar com um projeto de lei destinado a arquivar um processo contra o presidente da Câmara”, afirmou Vieira.

O relator, que antes de apresentar o relatório final consultou o presidente da Câmara, justificou as mudanças e defendeu Lira. O senador lembrou que o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi quem deu início à tramitação do projeto. “Não dá para nos acovardarmos e aceitarmos aqui as afirmações de que estaremos premiando a improbidade. Ao contrário, aqui vamos premiar o probo, a pessoa de bem que quer entrar no serviço público”, disse.

Pontos

Intenção

Como é 

Lei prevê punição a ato de improbidade culposo – quando não há intenção de cometer a irregularidade

Como fica

Só podem ser punidos casos em que ficar provado que o gestor teve a intenção de infringir a lei

Prescrição

Como é

À exceção de um prazo para apresentar uma ação de improbidade, não há prazo para o Estado punir um agente público

Como ficaria

Após a apresentação da ação, haverá prazo de quatro anos para punir o agente público na primeira instância

Condenação à perda do cargo

Como é

Perda da função pública vale para qualquer cargo que o agente esteja ocupando

Como ficaria

Demissão ocorre se o agente ocupar o mesmo cargo de quando praticou ato