O Globo, n. 32694, 10/02/2023. Economia, p. 11

Metas podem ser revistas

Manoel Ventura
Gabriel Sabóia


Integrantes da equipe econômica iniciaram discussões internas para mudar metas de inflação já estabelecidas, vigentes para 2023, 2024 e 2025. Embora o presidente Lula venha criticando as metas e a taxa de juros, esse é o primeiro movimento concreto de mudança nos valores pactuados pelo governo.

Para este ano, a meta de inflação foi definida em 3,25%, um alvo decidido em 2020, em um contexto de forte queda na economia por causa da Covid-19. Em 2024 e 2025, a meta prevista é de 3%. Em todos os casos, há um intervalo de tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo. Em 12 meses, o IPCA, índice de inflação oficial, registra alta de 5,77% (leia mais na página 12).

A expectativa do Focus para 2023 é que o IPCA feche o ano em 5,78%, ou seja, acima do teto da meta deste ano, de 4,75%. Para parte dos técnicos do governo, as metas estão baixas, considerando o atual patamar de inflação no Brasil e no mundo.

Reunião do CMN dia 16

A meta de inflação deve ser perseguida pelo Banco Central na definição da taxa básica de juros, a Selic. Quando o Comitê de Política Monetária (Copom) aumenta a Selic, pretende conter a circulação de dinheiro para consumo ao encarecer o crédito e estimular a poupança. Ao reduzir a demanda, os preços tendem a cair.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sinalizou a integrantes do governo que seria a favor de uma mudança na meta.

Ao diminuir os juros, o Copom barateia o crédito, incentivando produção e consumo, o que pode favorecer o crescimento da economia, mas também a inflação.

Ao alterar a meta de inflação, subindo os valores, o governo incentiva um movimento para reduzir o patamar de juros. A Selic hoje é de 13,75% ao ano. Esse número tem sido alvo de um bombardeio por parte do governo e de parlamentares da base aliada no Congresso.

O Palácio do Planalto teme que o atual patamar da taxa de juros prejudique o desempenho da economia.

A meta de inflação é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), colegiado hoje formado pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto.

A primeira reunião do CMN sob o governo Lula está marcada para o dia 16 deste mês, e ainda não se sabe se a discussão será conclusiva. Em geral, a meta de inflação é discutida no CMN de junho.

Em janeiro, o presidente Lula fez a defesa de uma meta mais alta, de 4,5%, adotada nos governos petistas. Agora, técnicos do governo discutem alterar as metas atuais e para quais patamares elevar os atuais alvos.

Procurado, o Ministério da Fazenda não antecipa pautas nem temas que serão discutidos no CMN. “A manifestação será feita após a reunião, na divulgação dos votos, com os resultados”, afirma a nota. O Ministério do Planejamento afirmou que não discute pauta do CMN.

Quando a inflação termina o ano abaixo ou acima dos limites estabelecidos pelo CMN, o presidente do BC precisa escrever uma carta pública ao ministro da Fazenda para explicar as razões do descumprimento da meta. Isso ocorreu em 2021 e 2022, quando a inflação fechou acima do teto da meta.

Com relação ao ano passado, Campos Neto argumentou em carta a Haddad que a inflação de 2022 ficou acima da meta por conta de cinco fatores. São fenômenos globais, como alta do preço do petróleo e de outras commodities,e a retomada dos serviços e do emprego após o auge da Covid-19, de acordo com ele.

Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, afirmou ontem não estar a par de debate no governo a respeito de revisão de metas, mas disse que o tema é tocado pela Fazenda:

— Esse tema (inflação) vem sendo discutido pelo ministro da Fazenda, que conduz o debate. Nas reuniões, nos contatos que tive com o presidente do BC, em nenhum momento foi trazido este tema. Mas temos um esforço para que o Brasil não tenha taxas de juros tão elevadas.

Apesar de afirmar que não existe motivo para uma eventual crise, Padilha disse que o BC pode prestar contas ao Congresso sobre suas ações:

— Considero natural que o Congresso queira ouvir e dialogar com o BC.

Lira defende autonomia

Após as críticas de Lula aos juros e à atuação do BC, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou ontem que o BC tem, na sua autonomia, uma “marca mundial” e que dificilmente isto “retroagirá”, ao comentar a possibilidade de uma proposta de interferência na autonomia do BC ser aceita pelo Congresso:

— O Banco Central independente é uma marca mundial, e o Brasil precisa se inserir neste contexto. Tecnicamente, o Banco Central independente foi o modelo escolhido pelo Congresso e dificilmente retroagirá, é o que tenho escutado, é como a maioria do plenário pensa.

Já elencada por Lira antes como uma de suas prioridades, a análise da medida provisória de Lula que transferiu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do BC ao Ministério da Fazenda será feita em breve. Ao explicar o porquê de ter se oposto à possibilidade de transferência do Coaf para o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro (PL), Lira usou uma metáfora do futebol:

— O bom árbitro de futebol não tem a mãe xingada, passa desapercebido. Assim como o Coaf, órgão técnico que tem de ir atrás de operações irregulares —disse.