O Globo, n. 32694, 10/02/2023. Política, p. 6

Lula reabilita Dilma com banco dos Brics e discurso de golpe

Jeniffer Gularte
Sérgio Roxo


Em gesto que consolida a iniciativa de reabilitar Dilma Rousseff politicamente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer indicar a petista para assumir o comando do Novo Banco de Desenvolvimento dos Brics (NBD). Apeada do poder por um processo de impeachment, a expresidente, se confirmada, será responsável pela instituição internacional de fomento criada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Durante toda campanha eleitoral e também no início deste terceiro mandato, Lula tem enfatizado a versão de que o processo de cassação da aliada, em 2016, foi um golpe. Quando deixou o Palácio do Planalto, ela era reprovada por 65% da população. Em 2018, ao disputar uma vaga no Senado em Minas, amargou um quarto lugar. Com o propósito de virar essa página, Lula tem feito questão de citar Dilma em seus discursos, enfatizando números da gestão dela. Nas várias posses de ministros em que foi no início do ano, a ex-presidente ganhou assento de destaque e homenagens.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem tratado com o atual presidente do Banco dos Brics, Marcos Troyjo, sobre a substituição. Lula buscava um cargo para Dilma fora do país, mas que não a colocasse como funcionária do governo no exterior.

Foi Dilma que manifestou o seu interesse pela presidência da instituição. Ela e Lula conversaram sobre o assunto após a eleição e, caso a indicação se concretize, a ex-presidente vai morar em Xangai.

— A Dilma tem interesse intelectual pela China, quer entender o processo de industrialização e inovação tecnológica — afirma o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.

Coube ao ex-chanceler Celso Amorim, atual assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, discutir com os outros países a indicação. Lula trabalha para ter o processo finalizado no banco até o fim do mês.

Projeção internacional

Lula não queria ter a ex-presidente ocupando um cargo no governo que a colocasse numa posição inferior a ele, além do possível desgaste que a nomeação traria. Por isso, a ideia de Dilma assumir uma embaixada perdeu força — haveria também o custo político de aprovar a indicação no Senado. Outro pedido é que fosse designado um posto a ela logo na largada do governo, para evitar especulações de que ela havia sido esquecida.

Entre os cargos avaliados, esteve o do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, lugar que foi ocupado até agosto de 2022 por Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, e a Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), posto que dependeria de uma negociação com os Estados Unidos.

O Banco dos Brics é visto como uma saída honrosa a Dilma: lhe dá projeção internacional sem precisar colocá-la em um cargo do governo. Lula considera ótima a passagem de Dilma pela Casa Civil, com atuação técnica de gerenciamento do governo, nos seus dois primeiros mandatos. O presidente, porém, já apontou publicamente erros na gestão da sua sucessora como presidente, especialmente por falta de traquejo para lidar com políticos.

No posto, Dilma terá relação direta com chefes de Estado e ministros da Fazenda dos países membros. A expresidente chegará ao comando do banco em ambiente de reconstrução e retomada dos Brics. O banco foi criado em 2014 e passou a operar a partir de 2016, com capital para financiar projetos de infraestrutura que sejam sustentáveis sob os pontos de vista econômico, social e ambiental.

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De acordo com Mercadante, a ex-presidente tem boas relações com os chineses e chegou a receber uma mensagem recente do presidente do país, Xi Jinping, depois de participar virtualmente no ano passado da reunião do Partido Comunista Chinês. Caso a ex-presidente tenha bom desempenho (o mandato do Brasil vai até 2025), petistas acreditam que ela terá a chance de alçar a instituição a status semelhante ocupado pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e o Banco Mundial. Entre integrantes do governo, há a leitura de que Dilma virou ativo político para o PT.

— A presidente Dilma sempre mereceu e recebeu o reconhecimento da militância petista por sua coragem e compromisso com a transformação do Brasil e com uma vida melhor para o nosso povo —disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.