Título: Câmbio oculta efeito dos juros
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 19/09/2005, Economia & Negócios, p. A18

Embora criticada, especialmente pelo setor produtivo, a alta da taxa de juros é comemorada, agora, por ser apontada como responsável pelo afastamento da ameaça de crescimento da inflação, trazendo sua expectativa para próximo da meta fixada pelo Banco Central (BC), de 5,1%, em 2005. Ao ter chegado a esse ponto, foi dado finalmente o sinal para o início da lenta e gradativa redução dos juros básicos - neste mês, o Comitê de Política Monetária (Copom) baixou a Selic de 19,75% para 19,50% ao ano, pela primeira vez em dezessete meses.

O consultor em finanças públicas Amir Khair lembra que, no conceito tradicional, a política monetária visa controlar mais o consumo via taxa de juros do que o investimento. Quanto maior a taxa, mais restrições imporia ao consumo. Pela teoria, consumo menor diante do mesmo nível de oferta acarreta queda nos preços. O que importa é a taxa de juros na ponta do consumo, e é esperado que a definição da taxa básica de juros ajude a definir a taxa ao consumidor.

Contudo, essa política não tem reprimido a demanda a contento, em face da expansão desenfreada da oferta de crédito pelas instituições financeiras, como o crédito consignado com desconto em folha, que oferecem empréstimos mais baratos ao tomador final. Inseparáveis desse fenômeno são as parcerias entre as grandes redes varejistas e bancos.

- Quanto maior a Selic, mais pessoas irão procurar os empréstimos em consignação, com farta oferta, pela grande diferença entre as taxas de juros - diz Khair.

Enquanto as financeiras cobram cerca de 12% ao mês, os empréstimos consignados, por terem taxa de inadimplência quase nula, têm taxas próximas a 3% no mesmo período.

Segundo Khair, a situação do crédito no Brasil é diferente em relação aos demais em dois aspectos fundamentais: no spread bancário (diferença entre a taxa pela qual um banco capta recursos e a taxa que pratica quando concede empréstimos, que representa seu ganho) e na relação entre o volume de empréstimos e o Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país). Enquanto aqui o spread é de 46 pontos percentuais no crédito ao consumidor, nos demais países é de 3 a 5 pontos percentuais.

- Por isso, a elevação de 1 ponto percentual na taxa básica repercute proporcionalmente muito menos aqui do que em outros países - avalia.

Exemplo recente, segue Khair, é o que ocorreu na última trajetória de alta da Selic, iniciada em setembro de 2004, quando subiu até maio 3,75 pontos percentuais, indo para 19,75%. A taxa só voltou a cair este mês, e apenas 0,25 ponto percentual. Enquanto isso, os juros ao consumidor subiram somente 1,4 ponto percentual no período.

Já a relação entre o volume de crédito e o PIB é de 27%, enquanto nos demais países supera 60%.

- Isto significa que a política monetária não tem a eficácia verificada em outros países.

Khair vê poucos pontos positivos na manutenção de uma Selic alta. Um deles é ajudar a apreciar marginalmente o real ao favorecer a atração de capitais externos especulativos, tornando as importações mais baratas.

- Mas essas aplicações são de curto prazo e repatriadas com maior retirada de dólares em relação ao ingresso, já que inclui a rentabilidade do investimento e o ganho com a desvalorização cambial - relativiza o consultor. - Assim, o efeito final é uma saída líquida de divisas.

Para o consultor, o Real deverá continuar se apreciando frente ao dólar devido à alta liquidez internacional da moeda, ao gigantesco déficit em transações correntes nos Estados Unidos, ao crescente superávit em transações correntes (saldo das trocas de bens e serviços entre o país e o mundo) no Brasil e à acentuada entrada de investimentos diretos estrangeiros.

- Mesmo que caíssem dos atuais 14% ao ano para algo como 5% ao ano, as taxas reais de juros continuariam ainda atrativas, uma vez que nos países emergentes a taxa é de 1,1% ao ano e nos países desenvolvidos, de 1% ao ano - lembra o consultor financeiro.

Diante disso, ele vê com cautela as recentes comemorações pelo sucesso da política monetária no controle da inflação.

- Como já foi descartada a eficácia da política monetária como mecanismo de contração do consumo, restou como argumento o fato de que atuou para manter o real valorizado, o que tornou as importações mais baratas - diz.

Segundo ele, transações correntes e investimentos diretos juntos contribuíram muito mais para a entrada de divisas no país do que os investimentos estrangeiros em carteira, de setembro de 2004 a julho deste ano, período no qual a taxa Selic subiu 3,75 pontos percentuais.

- Os verdadeiros responsáveis pela forte apreciação do real foram as exportações e os investimentos diretos e não os investimentos em carteira atraídos pela alta Selic - finaliza.