O Globo, n. 32695, 11/02/2023. Opinião, p. 2

Viagem aos EUA resgata status global do Brasil



O encontro dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden na Casa Branca rendeu mais que o esperado aperto de mãos no Salão Oval e a condenação do extremismo político dos populistas autoritários. Em comunicado conjunto, os Estados Unidos anunciaram a intenção de destinar recursos ao Fundo Amazônia, que já conta com aportes da Noruega e da Alemanha. Desde o início do governo anterior, o Brasil pedia aos americanos dinheiro para ajudar a preservar a Amazônia, mas as conversas nunca foram adiante devido à política antiambiental do governo Jair Bolsonaro. Em 2019, Noruega e Alemanha congelaram seus repasses ao fundo, enquanto a devastação na floresta batia recordes.

Criado em 2008, o Fundo Amazônia depende de doações para investir em prevenção, monitoramento, combate ao desmatamento e promoção do uso sustentável da floresta. Até o momento, a Noruega já doou R$ 3,1 bilhões, a Alemanha R$192 milhões (e a Petrobras R$ 17 milhões). Gerido pelo BNDES, em 15 anos o fundo já apoiou 384 instituições locais, 195 unidades de conservação, 101 terras indígenas, além de dezenas de milhares de indivíduos em atividades produtivas sustentáveis. As ações permitiram a inscrição de 1,1 milhão de imóveis no Cadastro Ambiental Rural, 1.700 missões de fiscalização e o combate a cerca de 30 mil incêndios e queimadas. Quanto mais recursos, mais projetos podem ser apoiados.

Com a volta de Lula ao poder, as negociações com os americanos foram enfim destravadas, e os europeus voltaram a contribuir com o fundo. O anúncio dos Estados Unidos aconteceu dois dias depois de a chanceler francesa, Catherine Colonna, ter afirmado em Brasília que França e União Europeia estudam também fazer parte do Fundo Amazônia. Parece evidente que a saída de cena de Bolsonaro provocou reação imediata das potências ocidentais, dando a oportunidade para Lula cumprir uma de suas promessas de campanha: retirar do Brasil a pecha de pária.

Independentemente do valor que será arrecadado dos americanos, o gesto representa um voto de confiança dos Estados Unidos na promessa do novo governo brasileiro de combater o desmatamento ilegal na Amazônia. Outra evidência da mudança se viu na aproximação entre a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o enviado especial para o clima dos Estados Unidos, John Kerry. Marina e Kerry se encontraram na Conferência do Clima das Nações Unidas no Egito e no Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça.

Noutro sinal de boa vontade, o governo americano incluiu no comunicado conjunto apoio à ampliação do Conselho de Segurança da ONU, antiga demanda de governos petistas. A questão mais espinhosa foi a guerra na Ucrânia. Nas negociações, os americanos queriam uma condenação veemente da Rússia. No final, o texto condena a violação do território ucraniano nos mesmos termos usados na visita a Brasília do chanceler alemão, Olaf Scholz. Em entrevista à CNN, Lula já declarara que a Ucrânia tem o direito de se defender da invasão russa. Justificou ter se negado a mandar munição aos ucranianos dizendo não querer fazer parte da guerra e insistiu que é preciso conversar sobre uma saída pacífica. Prevaleceu a sensatez. Lula e o Brasil têm o que celebrar no voo de volta.