O Globo, n. 32695, 11/02/2023. Política, p. 4

Pressão judicial

Mariana Muniz
Rafael Moraes Moura
Daniel Gullino


O Supremo Tribunal Federal (STF) enviou ontem à primeira instância ao menos dez pedidos de investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, que perdeu o foro privilegiado. Sete deles foram encaminhados pela ministra Cármen Lúcia, em episódios que tratam de ataques de Bolsonaro ao Tribunal e a seus ministros; de uma fala considerada racista; e da sua participação numa motociata nos Estados Unidos. Além desses casos, que vão tramitar na Justiça do Distrito Federal, aliados do ex-mandatário manifestaram preocupação com outra leva de processos, que devem chegar em breve ao juízo de primeiro grau, como mostrou o blog da colunista Malu Gaspar, do GLOBO. Nos próximos dias, também deve sair do STF o inquérito que investiga a disseminação de notícias falsas durante a pandemia. A Polícia Federal (PF) concluiu que ele cometeu o delito de incitação ao crime, por estimular as pessoas a não usarem máscaras. Além desse caso, a PF apontou que o ex-presidente violou sigilo funcional ao divulgar uma investigação sigilosa que apura um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A descida a instâncias inferiores deixa Bolsonaro mais vulnerável por conta da distribuição das ações a juízes que podem ter entendimentos diversos.

— Não havendo conexão entre eles, os casos seguem para procuradores e juízes diferentes, o que, em tese, torna a possibilidade de um desfecho negativo em alguma delas maior — avalia o advogado Daniel Sarmento, professor da Uerj e ex-procurador da República. Há pedidos de investigação encaminhados ontem por Cármen Lúcia que foram apresentados após o ex-presidente atacar o tribunal em pronunciamentos feitos durante o 7 de Setembro de 2021. Em outra ação, Bolsonaro foi alvo de um pedido de investigação por ataques e ofensas aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Há ainda o procedimento em que PSOL e PT requerem que Bolsonaro seja investigado por declarações que associavam o peso de um homem negro a arrobas.

O encontro de Bolsonaro e do então ministro da Justiça Anderson Torres com o blogueiro Allan dos Santos, considerado foragido pela Justiça, numa motociata nos Estados Unidos também motivou uma petição que denunciou possíveis crimes de responsabilidade e prevaricação. Segundo Cármen Lúcia, o fim do mandato e o fato de Bolsonaro não ter nenhum cargo com foro no STF “faz cessar a competência penal originária” da Corte para analisar “qualquer feito relativo a eventuais práticas criminosas a ele imputadas e cometidas no exercício do cargo e em razão dele”.

Casos espinhosos

Também desceu de instância uma queixa-crime em que a ex-presidente Dilma Rousseff alega que Bolsonaro teria ofendido sua honra ao publicar vídeo no Twitter depreciando os trabalhos da Comissão da Verdade e supostamente praticando o crime de injúria —o caso foi remetido pelo ministro Luiz Fux. Já o ministro Edson Fachin repassou uma queixacrime em que o senador Randolfe Rodrigues acusa o ex-presidente de difamação em razão de uma publicação nas redes sociais em que teria atribuído ao parlamentar a negociação de vacinas Covaxin sem licitação.

Há ainda outros procedimentos em estágios mais avançados, e considerados mais espinhosos por aliados do ex-presidente, como a ação de improbidade administrativa envolvendo a ex-secretária Wal do Açaí, acusada de ser funcionária fantasma de seu antigo gabinete na Câmara dos Deputados — este caso já corria em primeira instância. Outro diz respeito às agressões verbais do ex-titular do Planalto contra a deputada Maria do Rosário (PT-RS), em 2014. Bolsonaro é réu por injúria e apologia ao estupro por ter afirmado que a parlamentar é “feia” e “não merece ser estuprada”. Nas próximas semanas, o ministro Dias Toffoli deve mandar a ação para a primeira instância.

Esse processo ficou suspenso durante a Presidência de Bolsonaro, já que ele não poderia ser responsabilizado criminalmente por atos anteriores ao mandato. A leitura do entorno do expresidente é a de que a volta do trâmite e o risco de condenação devem reforçar as acusações de que o ex-presidente é machista e misógino, criando um fato político a ser revisitado pelo PT.

Outra frente de investigação que causa preocupação em aliados de Bolsonaro diz respeito à ação extremista de 8 de janeiro —a suspeita é que o ex-presidente possa ter insuflado o movimento. E há ainda as investigações dos inquéritos dos atos antidemocráticos e das milícias digitais, que tramitam sob a relatoria de Moraes. Os bolsonaristas temem que o avanço ajude a fechar o cerco contra o expresidente. As investigações sobre as eventuais responsabilidades de Bolsonaro na crise humanitária que assola o Território Yanomami, também são foco de apreensão.