Título: Vai-se a primeira pomba...
Autor: Maria Clara Bingemer*
Fonte: Jornal do Brasil, 19/09/2005, Outras Opiniões, p. A11

Roberto Jefferson foi cassado por 313 votos contra 156. Assim, inaugurou a saída de cena e a limpeza de terreno - assim o esperamos - de todos os políticos envolvidos no esquema de corrupção popularmente chamado de ''mensalão''. Suspeito de comandar uma articulação com vistas a arrecadar dinheiro para o PTB, o deputado federal Roberto Jefferson, rápido no ''pulo'' e na estratégia, hábil na retórica, logo tentou virar o jogo trocando de papel e passando de réu a acusador. De sua boca sem censura e de seu discurso de advogado ''rutilante'' partiram as principais denúncias que abalam a República há vários meses.

Sentindo-se traído e abandonado pelo PT e pelo governo com quem fizera aliança, denunciou a existência do ''mensalão'', gorda propina que seria paga a parlamentares da base para que votassem de acordo com os interesses do governo. Assim fazendo, provocou a queda de ministros e dirigentes de estatais, inclusive do todo-poderoso chefe da Casa Civil, José Dirceu.

A lógica de Jefferson é bem clara: com seu brilhante domínio da palavra, apesar do estilo um tanto kitsch e bombástico, acreditou conseguir acuar tudo e todos, sobretudo em um governo onde acreditava piamente que ninguém poderia declarar-se inocente e todos tinham culpa no cartório. Assim pretendia também desviar a atenção da CPI de sua pessoa e mais uma vez escapar ileso.

Teve sucesso no primeiro momento. Estimulado por sua língua viperina, o esquema de Delúbio Soares e Marcos Valério começou a vir a público. E as secretárias e ex-esposas de língua solta despejaram diante da mídia tudo o que sabiam e deixavam de saber sobre as falcatruas dos chefes, patrões e ex-maridos. O PT, partido do governo no qual o povo brasileiro havia depositado suas mais caras esperanças, entrou em crise profunda, ameaçando quebrar e arrastar de roldão sua história, sua proposta, sua militância e até o presidente. Aos poucos, mentes e corações ficaram mais serenos e o desejo de jogar pelos ares algumas décadas de trabalho diuturno e sofrido começou a diminuir e entrar nos eixos.

A estratégia de Roberto Jefferson de intimidar colegas nas CPIs e no Conselho de Ética, dando a entender, sempre que precisou, que tinha informações secretas sobre cada um deles não funcionou. O deputado com voz de locutor, o advogado doublé de ''showman'', acabou sendo atingido pelo Conselho de Ética, que recomendou por unanimidade sua cassação por quebra de decoro parlamentar e prática de crime eleitoral, tráfico de influência e sonegação fiscal.

A biografia de Jefferson dá testemunho de várias situações ambíguas e belicosas, desde a oposição ao impeachment de Collor até o protagonismo do rompimento do PSDB com o PFL, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. A todas conseguiu sobreviver, com sua inegável esperteza e sua técnica de advogado que domina a palavra. Acostumado ao litígio verbal dos tribunais, sabe identificar o ponto fraco do adversário para derrubá-lo a partir dali.

Como Deus escreve direito por linhas tortas e de todo mal consegue tirar um bem, a horrível cena presenciada pelo Brasil quando Jefferson resolveu abrir a boca e sair atirando a torto e a direito contra gregos e troianos teve o mérito de trazer a verdade à tona.

As sombras do governo Lula começaram a aparecer, dolorosamente, impiedosamente, mas inegáveis e iniludíveis. E lançaram no sofrimento e no desencanto muitos milhões de brasileiros que a ele deram seu voto. Jefferson correu um risco calculado e perdeu. Jogou tudo para ganhar ou perder. Perdeu. A cassação veio. No entanto, com o horror que semeou à sua volta, sabe que não perde nem cai sozinho.

Se a ética ainda é ética e se a justiça merece o nome que tem, vários outros deverão seguir seus passos. Jefferson sai e a CPI continua. E o povo brasileiro espera a continuação da história para, finalmente, poder levantar a cabeça e respirar livremente.

Naquele tempo, Jesus de Nazaré disse a seus discípulos: ''Conhecereis a verdade e ela vos libertará''. Só a verdade liberta. Mesmo quando sai de bocas humanas não tão ilibadas nem tão puras. A investigação que procede parece demonstrar que as denúncias de Jefferson são verdadeiras. Assim como verdadeiras são as denúncias feitas contra ele e que culminaram em sua cassação.

Foi-se a primeira pomba. O Brasil espera uma revoada. Como nos versos de Raimundo Correia, que vá ''outra mais... mais outra... enfim dezenas...'', para que possa raiar ''sanguínea e fresca'' nova madrugada em nossa terra.

*Maria Clara Lucchetti Bingemer é professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio