Título: Dulci melhora quando silencia
Autor: AUGUSTO NUNES
Fonte: Jornal do Brasil, 20/09/2005, País, p. A2

Depois de quase três anos redigindo discursos que Lula não lê, o ministro Luiz Dulci rendeu-se ao estilo do chefe. No domingo eleitoral do PT, a pose de intelectual imerso em profundas reflexões esboroou-se em Belo Horizonte. Ali, pendurado num palanque imaginário, resolveu mostrar que é bom de garganta e partiu para o falatório de improviso. Fora de forma, o orador foi tão empolgante quanto um diretor de animação do Rotary. Fora de esquadro, o pensador produziu uma versão piorada da tese alicerçada num "complô das elites".

"A tentativa de destruir o PT é externa", informou o secretário-geral da Presidência da República. Quem exatamente patrocina a trama diabólica? "São as forças conservadoras que, naturalmente, não querem que o maior partido do país seja um partido de esquerda, transformador", respondeu em tom severo. Como se as forças conservadoras não estivessem felizes com o governo, como se o partido ainda merecesse a grife de "esquerdista", como se a ladroagem não envolvesse companheiros pilantras.

Feito o diagnóstico, Dulci foi votar no Campo Majoritário. Assim, na teoria e na prática, absolveu de quaisquer culpas os delinqüentes amigos. A chapa é presidida por Ricardo Berzoini e o último abrigo de gente como José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino, João Paulo Cunha e outros pecadores. Se não estivessem na mira do Brasil decente, Marcos Valério e Duda Mendonça teriam cuidado da campanha dos revolucionários, sob o patrocínio de instituições transformadoras como o Banco Rural e o BMG.

É o que acha o ministro que pouco piava nas reuniões do "núcleo duro" completado por José Dirceu, Antônio Palocci e Luiz Gushiken. Nos encontros matutinos, Dirceu tratava de questões políticas, Palocci falava de economia, Gushiken administrava a publicidade oficial - e os três se metiam em tudo, trocando pontapés sob a mesa de reuniões. Dulci só interrompia suas anotações manuscritas para comentários ligeiros. Pensadores não falam. Pensadores pensam.

A imagem de intelectual nasceu do currículo incomum entre dirigentes petistas. Nascido há 49 anos em Santos Dumont, Minas Gerais, Dulci diplomou-se em Letras Clássicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1974, tornou-se professor de Língua e Literatura Portuguesa. Engajado no movimento sindical, ajudou a fundar o PT.

Eleito deputado federal por Minas em 1982, membro permanente da executiva nacional, colecionou nos anos seguintes cargos relevantes em administrações petistas, todos vinculados à area da cultura. Um dos coordenadores cinco estrelas da campanha vitoriosa, virou candidato natural a algum gabinete. Como prescindir daquele mineiro tão sabido?

Ganhou a chefia da Secretaria-Geral da Presidência, "responsável pela interlocução política do governo com as organizações e movimentos da sociedade civil brasileira e internacional". Logo percebeu que haviam confiado um território congestionado por parceiros gulosos. Não reclamou. Valendo-se do temperamento, cuidou de sobreviver no coração do poder.

Na hora do tiroteio no "núcleo duro", ele se refugiava atrás do balcão do saloon. Quando a grande crise explodiu, perdeu a fala de vez. Quieto, contemplou a queda de José Dirceu e a promoção de Gushiken a ministro do Nada. Por falta de opções, acabou designado para colaborar no campo da articulação política. Só então recuperou a fala. Para falar bobagens.

Dulci seria mais útil se exercitasse sua especialidade: educação de adultos. O presidente Lula talvez aprendesse que o plural existe. E Gushiken entenderia que quem diz "sejemos claros" tem cabeça turva.