O Estado de São Paulo, n. 46770, 05/11/2021. Política p.A14

 

Bolsonaro admite em depoimento que cobrou de Moro trocas na PF

 


Na oitiva, presidente negou interferência na corporação e disse que ex-ministro vinculou mudanças à indicação para o Supremo

 

PEPITA ORTEGA

FAUSTO MACEDO

 

O presidente Jair Bolsonaro prestou depoimento no inquérito que investiga se ele tentou interferir nos trabalhos da Polícia Federal. Bolsonaro admitiu que pediu ao ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro mudanças no comando e nas superintendências da corporação, entre elas a substituição do delegado Maurício Valeixo, então diretor-geral. A investida do presidente para tirar o então chefe da PF foi o pivô da crise que levou à saída do ex-juiz da Lava Jato do governo. Foi também o que motivou as denúncias que levaram à abertura do inquérito no qual o presidente e Moro figuram como investigados.

Na oitiva realizada na noite de anteontem, no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse que pediu a substituição de Valeixo pela "falta de interlocução" com o diretor-geral da PF. Ele afirmou também que "jamais teve qualquer intenção" de interferir na PF. Em diferentes trechos de seu depoimento, Bolsonaro atacou seu ex-ministro da Justiça, que agora pode ser seu concorrente na eleição de 2022.

 

SUPREMO. O presidente repetiu a acusação de que Moro teria concordado em colocar o delegado Alexandre Ramagem na chefia da PF "desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal". Além disso, afirmou que o ex-juiz estava "administrando a pasta sem pensar no todo, sem alinhamento com os demais ministérios e o Gabinete da Presidência".

Em nota, Moro rechaçou a alegação de Bolsonaro: "Não troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como ministro". O exjuiz da Lava Jato, que vai se filiar ao Podemos no próximo dia 10, afirmou ainda que os "motivos reais" da troca na diretoria-geral da PF "foram expostos pelo próprio presidente na reunião ministerial de 22 de abril de 2020".

Bolsonaro foi questionado pelos policiais federais sobre declarações dadas durante a polêmica reunião, tornada pública no âmbito das investigações. Sobre a afirmação "a PF que não me dá informações", o presidente disse que "se referia a relatórios de inteligência sobre fatos que necessitava para a tomada de decisões". Em relação à frase "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui", Bolsonaro declarou que se referia a "um pequeno núcleo do GSI sediado no Rio", responsável por "sua segurança pessoal e da sua família".

 

'RELATÓRIOS'. Quando foi ouvido pela PF no mesmo inquérito, em maio do ano passado, Moro afirmou que a troca na diretoria-geral foi solicitada por Bolsonaro porque o presidente "precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência".

Em depoimento que durou mais de oito horas, o ex-ministro da Justiça afirmou que chegou a receber de Bolsonaro uma mensagem que dizia: "Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro".

Bolsonaro confirmou também as solicitações para mudança na superintendência de Pernambuco, em março de 2020, e ainda para troca da chefia da PF no Rio, em 2019. Na época, Bolsonaro levantou a possibilidade de a unidade fluminense da PF ser chefiada pelo delegado Alexandre Saraiva, que acabou se tornando um desafeto do governo após acusar o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de patrocinar diretamente interesses de madeireiros.

No depoimento, o presidente ainda reclamou de suposto pouco-caso de Moro com relação a investigações que eram de seu interesse, entre elas a da facada que sofreu na campanha de 2018. A defesa do ex-ministro disse não ter sido avisada da oitiva, "impedindo seu comparecimento a fim de formular questionamentos pertinentes".