O Globo, n. 32697, 13/02/2023. Saúde, p. 8

Nova gripe aviária?

Natalia Pasternak


O que uma alta de 400% no preço dos ovos nos Estados Unidos tem a ver com leões marinhos morrendo no Peru? Nos EUA, quem tem no ovo a principal fonte de proteína animal barata levou um susto no final de 2022. O preço da dúzia saltou de US$ 1 em janeiro de 2022 para quase US$ 5 em dezembro!

As focas peruanas e o omelete americano foram ambos vítimas de um surto de gripe aviária causada pela H5N1 do vírus influenza, que matou 58 milhões de galinhas nos EUA, segundo o Ministério da Agricultura de lá, seja porque morreram da doença ou porque foram abatidas para conter o contágio. O vírus também infectou mamíferos na América do Sul. O Serviço Nacional de Saúde Agrária do Peru reportou mais de 500 leões marinhos e 55 mil aves silvestres mortos. Recentemente, o H5N1 foi detectado em uma criação de vison (pequeno mamífero cuja pele é usada em casacos de luxo) na Espanha.

O H5N1 foi detectado pela primeira vez em 1996, em uma criação de gansos na China. No ano seguinte, um surto em Hong Kong, iniciado em animais de criação, fez vítimas humanas, mostrando tratar-se de um vírus de potencial pandêmico. Até hoje, esse potencial não se realizou: nas últimas décadas, todas as pessoas contaminadas pelo H5N1 tinham tido contato com animais infectados, que foram abatidos.

Em 2005, o vírus saltou para aves migratórias, e desde então vem se espalhando pelo mundo. Em 2022, foi detectado em aves de criação e em animais silvestres nas três Américas, com maior impacto nas granjas americanas. Também na criação de visons na Espanha.

No caso espanhol, há indícios de transmissão entre os animais, o que sugere que o vírus tornou-se capaz de saltar de um mamífero para outro. É uma etapa no caminho de tornar-se contagioso também entre humanos, o que até agora não aconteceu.

No entanto, nunca antes o vírus esteve tão espalhado. Adaptação é uma questão de probabilidade: quanto mais o vírus se replica, mais chance de sofrer mutações. Quanto mais mutações, maiores as chances de que uma delas permita o salto de uma espécie para outra.

Até hoje, esse vírus jamais conseguiu tornar-se realmente perigoso para humanos. Mas as condições ambientais no mundo aumentam muito a chance de que isso acabe acontecendo. Há criações confinadas de aves onde o H5N1 pode se replicar e interagir com pessoas. Há aves migratórias levando o vírus para toda parte, fazendo ponte para a contaminação de outros animais que convivem com seres humanos, como aconteceu com os visons da Espanha.

A criação comercial de animais suscetíveis ao vírus é o principal problema. Os animais infectados precisam ser mortos. Isso eleva o preço dos produtos derivados. Grande parte das vacinas para gripe no mundo são feitas em ovos. Imagine o estrago se as criações destinadas a fornecer os ovos para vacina forem contaminadas e tiverem de ser destruídas.

Algumas medidas podem ser tomadas para reduzir o risco de uma pandemia: a primeira seria repensar a criação de vison para o mercado de peles. Trata-se afinal de mercado de luxo, não essencial, e esses animais podem acabar se tornando um intermediário onde vírus podem se replicar e ganhar oportunidade de infectar humanos. Em 2020 e 2021 foram registrados diversos surtos de coronavírus em fazendas de vison na Europa. A Holanda decidiu eliminar as criações até 2024. A Dinamarca teve que abater todos os visons em 2020.

Uma estratégia complementar é vacinar as aves de criação. China e Indonésia já fazem isso. Investir em testes diagnósticos para fazendas também pode ajudar muito a melhorar a vigilância sanitária. Não fazer nada, confiando que todos os surtos do futuro serão controlados como os do passado, só com abate em massa de animais, e que a mutação que pode tornar o vírus uma ameaça para humanos jamais acontecerá, é dar muita sopa (de galinha) para o azar.