Valor Econômico, v. 20, n. 4890, 29/11/2019. Política, p. A15

Flerte com Crivella inquieta bolsonaristas

Cristian Klein



Com força ainda expressiva no eleitorado nacional, o bolsonarismo está numa encruzilhada que reduz as chances do grupo na disputa a prefeito do Rio no próximo ano. A saída mais competitiva para não desperdiçar o capital político do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passa atualmente por uma aliança pragmática em torno da reeleição de Marcelo Crivella (Republicanos) e a tentativa de evitar que o governador Wilson Witzel (PSC) - eleito em sua esteira mas hoje desafeto - avance as peças do tabuleiro e conquiste a segunda maior cidade do país.

O perfil mercurial de Bolsonaro e Witzel - cujos projetos ao Planalto em 2022 se chocam - tem dificultado a vida dos aliados que tentam juntar os cacos. Divididas por outra briga de Bolsonaro - com o presidente nacional do PSL, Luciano Bivar -, as duas alas do partido têm pré-candidatos à prefeitura do Rio. Os dois nomes, porém, estão ffragilizados, seja pela difícil criação de uma nova legenda até março, o Aliança pelo Brasil; seja pela pretensão de Witzel de lançar uma recém-nomeada desembargadora, Glória Heloiza Lima da Silva, aparentemente um balão de ensaio.

Uma das grandes incógnitas no xadrez eleitoral, a candidatura própria bancada por Witzel piora a vida da ala do PSL que, sem Bolsonaro, contava em receber o apoio do governador. O grupo - um terço da bancada do partido na Câmara e na Assembleia Legislativa - tem como pré-candidato o deputado estadual Rodrigo Amorim. O parlamentar é muito lligado ao senador Flávio Bolsonaro, mas é rechaçado pelo pai Jair e pelo irmão, o vereador Carlos (PSC), que não o aceitaram como candidato a prefeito.

É o que fez Amorim se decidir pela permanência no PSL para buscar o apoio de Witzel. Mas o plano do parlamentar se quebra caso o governador leve adiante a ideia de emplacar uma outsider da magistratura e repetir sua trajetória de ex-juiz que entrou para a política. Ao Valor, o presidente nacional do PSC, pastor Everaldo Dias Pereira, mentor da candidatura de Witzel em 2018, mostrou surpresa com a circulação da notícia. “Até agora não sei do que você está falando. Como estamos acostumados com muitas ‘fake news’, tem que apurar. Não dá para acreditar”, disse.

Em pé de guerra com a corrente bivarista, os bolsonaristas mais radicais do PSL têm como pré-candidato o deputado estadual e policial militar reformado Márcio Gualberto. Mas estão igualmente amarrados. Neste caso, à necessidade de que o Aliança pelo Brasil seja registrado a tempo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o que é improvável. De saída do PSC - onde rompeu com Pastor Everaldo - o deputado federal e também pastor Otoni de Paula pretende se juntar ao partido de Bolsonaro, mas reconhece ser impossível a missão de aprontar o Aliança até março. “Realmente, não acredito que saia a tempo de concorrer em 2020”, diz.

Se isso se confirmar, o parlamentar afirma que pretende se transferir para outra legenda - mesmo sob risco de perder o mandato - e receber o apoio de Bolsonaro para concorrer à prefeitura. O plano, porém, é ameaçado pela possibilidade do apoio do presidente à reeleição de Crivella. “Todo mundo sabe que o prefeito está forçando uma aproximação com Bolsonaro, a partir de uma negociação feita junto à Rede Record”, diz. Crivella é filiado ao Republicanos, braço político da TV Record e da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), ambas controladas por Edir Macedo, tio do prefeito do Rio.

Para Otoni de Paula, o apoio de Bolsonaro seria decisivo para empurrar Crivella ao segundo turno, mas não para elegê-lo. O deputado afirma que, por causa da gestão mal avaliada, o avanço de Crivella pode sacramentar uma vitória de Marcelo Freixo (Psol), deputado federal cuja presença no segundo turno dá como certa. Em 2016, Freixo perdeu  a disputa para Crivella. “Ali você tinha dois candidatos que não haviam sido experimentados. Agora não. Você tem um não experimentado, Freixo, e outro rejeitado. Porque o Crivella já deu ruim”, diz.

Questionado se a aliança não seria uma traição de Bolsonaro, o deputado Alexandre Knoploch (PSL), apoiador de Amorim, afirma que “cada um faz o que acha melhor”. “Mas o Crivella não representa a direita, e sim uma péssima gestão”.

Ligado ao senador Romário (Podemos), o secretário municipal da Pessoa com Deficiência e Tecnologia, Marco San, afirma que a aliança com Bolsonaro seria uma grande força para Crivella, porque o voto dos dois, conservador e evangélico, “casa muito”. “Se fechar o acordo, é garantia de segundo turno, independentemente da avaliação da gestão do prefeito, afirma San.

Sinais de que o acordo pode se concretizar, cita o secretário, foram o aceno feito por Crivella, em visita a Brasília, onde disse que ajudará a colher assinaturas para a criação do novo partido de Bolsonaro e a nomeação de Gutemberg Fonseca, amigo de Flávio, para a Secretaria de Ordem Pública. “É cedo para a batida de martelo, mas isso foi uma abertura de diálogo”, aponta. Fonseca era secretário estadual de Governo e sua saída do Palácio Guanabara coincidiu com a elevação da temperatura do confronto entre Witzel e Bolsonaro. Após pesadas trocas de acusações, o governador protocolou na terça-feira um pedido de audiência com o presidente. Mais de 48 horas depois, Bolsonaro não havia respondeu à solicitação.

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San diz que a aliança entre Bolsonaro e Crivella tende a polarizar a disputa com Freixo, mesmo que o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) esteja na disputa. “Se polarizar, Paes fica prejudicado. Vem de duas sucessivas derrotas, para governador e quando tentou fazer o sucessor, Pedro Paulo”, diz o secretário, para quem as dúvidas que pairam sobre a candidatura de Paes já seriam um sinal de enfraquecimento.

Presidente estadual do PSDB, o empresário Paulo Marinho afirma “ter a impressão” de que Paes não concorrerá: “Vai adiar para 2022 e concorrer a governador. Também não sei se fica no DEM”. Ex-aliado de Bolsonaro, Marinho é suplente de Flávio no Senado, mas saiu do PSL, assim como o ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, marcando o início do esfacelamento do ex-partido do presidente da República. No domingo, Bebianno filia-se ao PSDB para comandar o diretório da capital.

Plano B do DEM, caso Paes não concorra, o deputado estadual Carlo Caiado diz acreditar que a posição de Bolsonaro será de neutralidade: “Ele não apoiou o Witzel. É uma característica dele quando realmente não tem um candidato”.