O Estado de São Paulo, n. 46771, 06/11/2021. Internacional p.A20

 

Meio ambiente exige pressa, sem pavor

 

Fareed Zakaria

Precisamos de uma política ambiental que não nos deixe apavorados ou complacentes

Acredite ou não, há notícias realmente muito boas no front ambiental. Esta semana, aproximadamente cem países anunciaram um acordo para cortar as emissões de metano em 30% até 2030, encerrando um evidente impasse em relação à política ambiental.

Eles também alcançaram um acordo para pôr fim ao desmatamento no mesmo prazo, incluindo promessas de financiamentos para apoiar a medida – o desmatamento produz cerca de 10% das emissões mundiais de carbono. O setor privado se comprometeu em destinar US$ 130 trilhões de seus investimentos, até 2050, para a meta de zerar as emissões, em um esforço para limitar o aquecimento global a 1,5ºc.

Inovações tecnológicas positivas também estão em aceleração. Entre 2009 e 2019, o custo de geração de energia solar e eólica baixou 89% e 70%, respectivamente. E, ao longo das últimas três décadas, os preços das baterias de lítio baixaram 97%. Graças à energia limpa e sua eficiência, agora é possível que países façam crescer suas economias sem elevar as emissões de carbono. Mas isso não é suficiente.

Precisamos que as emissões baixem bastante, não que simplesmente se mantenham estáveis. E não estamos a caminho disso. Mesmo se todos os países cumprissem os compromissos dos Acordos de Paris – e a maioria não cumpre –, isso reduziria as emissões de carbono somente em 7,5% até 2030. Especialistas concordam que precisamos cortar essas emissões em cerca de 55% até aquele ano somente para manter a elevação de temperatura do planeta abaixo de 1,5ºc.

Reduzir emissões de carbono é tão difícil porque envolve transformações em quase todos os aspectos da atividade econômica humana, dos carros que dirigimos ao cimento que usamos nas construções, do aquecimento de nossas residências aos alimentos que colocamos em nossas bocas. Por exemplo, para fazer duas pizzas de muçarela, o laticínio necessário equivale à produção de leite diária de uma vaca. Essa vaca emite 113,4 quilos de metano anualmente. As vacas, se fossem um país, seriam o terceiro maior produtor mundial de gases de efeito estufa, atrás de China e Estados Unidos.

Mas, com demasiada frequência, estatísticas sombrias e previsões deprimentes nos levam ao desespero. Precisamos de uma maneira racional de pensar uma política ambiental que não nos deixe nem apavorados demais para agir logo nem complacentes demais para não fazer nada.

AVANÇO. Encontrei o melhor guia num excelente novo livro, Speed & Scale: An Action Plan for Solving our Climate Crisis Now ("Velocidade e escala: um plano de ação para resolver agora nossa crise ambiental"). O autor, John Doerr, é um lendário empreendedor que dedicou anos ao ativismo ambiental.

O livro define um plano claro, acessível e factível para zerarmos as emissões até 2050. Com base em sua experiência no setor empresarial, Doerr estabelece áreas-alvo para cortar emissões, como descarbonizar o fornecimento de eletricidade, e estima o benefício esperado para cada meta.

A abordagem de "contagem regressiva para a emissão zero" nos faz sentir não apenas mais conscientes da emergência ambiental, mas também mais empoderados para fazer algo a respeito. A gente acaba pensando na questão ambiental como um imenso problema, mas contornável – por um triz.

Doerr vai além da ciência para definir políticas específicas necessárias em cada área e o potencial dos movimentos de fazer com que essas políticas sejam adotadas. Ele nos lembra da maneira como políticas, engenhosidade e economia se juntaram para criar a indústria dos painéis solares, que agora está se espalhando por todo o mundo. Um político alemão, Hermann Scheer, conseguiu a aprovação de uma tarifa de injeção, em vigor desde 2000, que forneceu subsídios para instalação de painéis solares em residências.

Empreendedores do setor privado começaram a inovar e desenvolveram painéis melhores e mais baratos. Então, o governo chinês decidiu financiar essa nascente indústria. O resultado foi que, entre 2010 e 2020, o mundo passou de 40 gigawatts de capacidade de geração de energia solar instalada para 700 – um aumento de quase 1.700%.

Precisamos de centenas desses esforços, de todos os tipos, contanto que cortem emissões. Política ambiental é importante demais para purismos ideológicos. Precisaremos que o gás natural substitua o carvão nos países em desenvolvimento. Precisaremos de energia nuclear, pois se trata de uma fonte perene de energia com emissão zero. Precisaremos de uma eficiência energética muito maior em todas as áreas.

Doerr ressalta que, se todos os Estados americanos tivessem tentado se igualar à Califórnia em eficiência energética, os EUA teriam cortado suas emissões de carbono em quase um quarto. Finalizarei com uma última história retirada do livro de Doerr, sobre o Havaí.

EXEMPLO. Em 2008, o Estado era o que mais dependia de combustíveis fósseis nos EUA, o petróleo era responsável por 90% da energia consumida por lá. Depois, ele adotou a Iniciativa de Energia Limpa do Havaí, um arcabouço de leis e regras destinado a obrigar o Estado a usar energia limpa e renovável.

O Havaí estabeleceu uma meta para o uso de energias sustentáveis chegar a 30% até 2020, 70% até 2040 e 100% até 2045. E excedeu a meta de 2020, gerando 34,5% de sua eletricidade a partir de uma combinação entre fontes solares e eólicas, entre outras. Em poucos anos, o Havaí se tornou um dos principais exemplos de transição para a energia limpa.

Agora, precisamos disseminar o exemplo do Havaí pelo mundo inteiro – e rapidamente. É uma tarefa imensa, mas se o Havaí conseguiu, certamente outros também conseguirão. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO