Título: A cidade e o livro
Autor: Deonísio da Silva
Fonte: Jornal do Brasil, 20/09/2005, Outras Opiniões, p. A11

Estão falando muito mal do presidente Lula. Por quê? - pergunto a um menino que está hospedado com os pais no mesmo hotel onde estão os escritores que foram à Feira do Livro de Ribeirão Preto. Ele tem nove anos, chama-se Cleisson Júnior e está ali acompanhado dos pais. Olha a capa da revista, onde está escrito que o PT era de vidro e se quebrou, e diz que sabe os versos parodiados pela revista Veja: ''o anel que tudo me deste/ era vidro e se quebrou/ o amor que tu me tinhas/ era pouco e se acabou''. ''Ele não cuida de escola, não cuida de estrada, não cuida de saúde, e o pessoal dele está roubando muito''. Até as crianças são capazes de desdobrar os números das pesquisas que mostram a popularidade do presidente despencando.

Mas há outros Brasis aqui em Ribeirão Preto, onde acontece pelo quinto ano consecutivo a maior feira de livros do interior do Brasil, criada quando era prefeito o ministro Antonio Pallocci. Desta vez não encontrei Dona Toninha, mãe do ministro, com quem bati um bom papo ano passado. Circulando pela feira, sem me molhar, ainda que chovesse, comprovei o que a imprensa dizia: cerca de 300 mil visitantes, todos comprando ao menos um livro, teriam passado pelas barracas este ano.

A ''entrevista'' com o menino deu-se no domingo pela manhã. No dia anterior, no Salão de Idéias, José Rodrix, André Vianco e eu debatemos o tema Letras, Segredos e Lendas. Zé Rodrix acaba de lançar um livro sobre a maçonaria, ele próprio é maçom e deu um belo depoimento. André Vianco vem despontando com bom escritor e seu tema são os vampiros. Quanto a mim, falei de ''Teresa, Namorada de Jesus'', contente por ter visto na Folha de S. Paulo que o editor havia recomendado sua leitura, destacando os meninos que descobrem ter um padre do seminário escrito um romance sobre a santa de Ávila, que não tinha pudores para falar da sexualidade e do amor. Mas o público preferiu perguntar-me sobre o artigo ''Português Assassinado a Tecladas'', que eu publicara no JB e no Observatório da Imprensa. Um rapaz chamado André quis saber como era minha relação com Alberto Dines, no OI, e com meu editor no JB. O público é motivado por interesses que desconhecemos, mas de todo modo os leitores querem saber coisas sobre as quais pouco falamos, a não ser em situações como aquela.

Saindo dali, vi uma senhora de seus 50 anos com um livro de minha autoria cujo preço é R$ 75. Largou aquele livro e comprou outros quatro do mesmo autor, pelos quais pagou menos de um terço do preço daquele que recusara. Coincidentemente, um dos temas do debate tinha sido o alto preço dos livros. Todos concordamos que o livro ainda é muito caro, que poderia ser mais barato se as tiragens fossem mais altas, ao que alguém lembrou o que o escritor Esdras do Nascimento sempre comenta: o livro deve e pode estar mais presente em telenovelas, na publicidade, em roteiros de cinema etc. Assim criaríamos um contexto mais favorável ao livro, ainda restrito aos poucos santuários que são nossas escassas livrarias.

Terminávamos o debate quando entrou na mesma sala o escritor Fernando Morais, que acaba de ganhar R$ 600 mil de adiantamento por livros que está escrevendo. Viera debater ''a literatura mundial e a censura''. Abracei Fernando Morais, lembrei que quando ele foi secretário da Cultura de São Paulo nos anos oitenta as Oficinas Culturais chegaram a ter mais alunos que a USP, espalhados por todo o estado. E lhe sussurrei que os escritores pobres já tinham falado, que agora falasse nosso primo rico.

Ao me despedir de velhos amigos, ouvi de Galeno Amorim, que coordena o programa Fome de Livro no governo federal, que está interessado em ir à Universidade Estácio de Sá para articular a participação da maior universidade brasileira no projeto. Em que Brasil vivemos? Algumas coisas vão indo muito bem, obrigado. Outras são assustadoras. Mas uma coisa é certa: há um outro Brasil, bem além das CPIs, e dele quase ninguém diz nada.