Título: Mau-humor adolescente tem motivo
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 20/09/2005, Saúde & Ciência, p. A12

Aos pais estressados com os filhos adolescentes um aviso: o comportamento, quase sempre difícil, deve ser relevado. Uma pesquisa mostrou que o mau humor e os conflitos constantes com os adultos são causados por alterações sofridas pelo cérebro nessa faixa etária.

- Ocorre uma deterioração temporária na capacidade de interpretar de maneira apurada as emoções a partir de expressões faciais - comenta David Skuse, professor da unidade de Ciência Comportamental do Institute of Child Health que realizou o estudo junto com a University College London.

Essa dificuldade em interpretar os sinais ligados aos sentimentos, principalmente a raiva e a tristeza, ocorre entre 12 e 14 anos.

- Os adolescentes, realmente, se tornam mais limitados em sua inteligência social na puberdade - observa Skuse.

A descoberta aconteceu por acaso, quando a equipe realizava uma pesquisa para verificar o autismo entre 1600 pessoas entre 6 e 16 anos.

Os participantes eram submetidos a tarefas como lembrar de rostos, estabelecer contato visual e distinguir emoções olhando para fotos de pessoas com diferentes expressões, como raiva, medo, surpresa e nojo.

- Essas habilidades são supostamente deficientes nos autistas - explicou Skuse, que apresentou as conclusões na Associação Britânica para o Avanço da Ciência, em Dublin, Irlanda.

- Por exemplo, se um autista chama uma garota para ir ao cinema e ela responde que espere sentado, ele vai ficar esperando - comenta ao JB Ênio Roberto de Andrade, psiquiatra da infância e da adolescência.

Observou-se que aos seis anos o distúrbio era mais comum em meninos. Entretanto, na puberdade essa dificuldade se mostrou comum para ambos os sexos.

Uma das explicações para essas reações é que, nessa fase da vida, o cérebro esta se reorganizando.

- Suas conexões estão sendo refeitas em consequência das alterações hormonais que acontecem nesse momento - explica Skuse.

- Os adolescentes passam por dificuldades de associações geralmente ligadas a fatores subjetivos - comenta Andrade - Ainda não desenvolveram a capacidade abstrata de saber o que a pessoa está pensando ou sentindo a partir do modo como se comporta.

Por isso, segundo o especialista, é tão comum o jovem dizer algo ofensivo sem perceber que está magoando um ente querido.

- As transformações no corpo do adolescente são tão fortes que ele acaba tendo uma reação psicológica a isso, fica avoado - afirma Lúcio Lima, vice-coordenador do Departamento de Psiquiatria da Infância e da Adolescência da Associação Brasileira de Psiquiatria.

Um alento para os que convivem com quem está na puberdade é que essas alterações são passageiras:

- É um fenômeno de base realmente biológica, do qual, felizmente, eles se recuperam - brinca Skuse.

De acordo com a pesquisa, o problema desaparece até os 16 ou 17 anos.

O estudante Rafael Honigsztejn, de 15 anos, é a prova disso. Quando tinha 12 e 13 anos brigava muito mais do que atualmente com sua mãe.

- Quando você cresce acha que pode fazer tudo sozinho e acaba se irritando quando os pais querem ajudar - admite.

- Temos uma experiência de vida que o adolescente não percebe - afirma o pai de Rafael, David Honigsztejn, de 62 anos.