O Estado de São Paulo, n. 46775, 10/11/2021. Política p.A11
STJ atende Flávio e anula decisões de 1ª instância sobre 'rachadinhas'
Rayssa Motta
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atendeu ontem a um pedido apresentado pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-rj) para anular a investigação das "rachadinhas" – esquema de desvio de salários de servidores – no gabinete do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, quando ele era deputado estadual no Rio.
Os ministros analisaram um recurso contra a decisão do colegiado que negou, em março, pedidos para anular todas as medidas do juiz Flávio Itabaiana, da 27.ª Vara Criminal do Rio, que conduziu o inquérito na primeira instância. O julgamento foi retomado após um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro João Otávio de Noronha.
Desde junho do ano passado, quando o Tribunal de Justiça do Rio transferiu o caso para a segunda instância, o STJ vem analisando uma série de desdobramentos da decisão. Até o momento, a Quinta Turma já anulou a quebra de sigilo do senador, por considerar que a decisão que autorizou a devassa não foi devidamente fundamentada, e manteve o compartilhamento de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) com o Ministério Público, ponto de partida do inquérito.
'MANDATOS CRUZADOS'. No julgamento de ontem, o colegiado bateu o martelo sobre a impossibilidade de aproveitamento das provas colhidas mediante autorização do juiz de primeira instância. A análise foi influenciada pelo sinal verde dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para validar a tese dos "mandatos cruzados". Usada pela defesa do senador, ela prevê que um político pode manter o foro privilegiado do cargo antigo após assumir um novo posto que dê direito à prerrogativa.
Noronha abriu a divergência em relação ao relator Jesuíno Rissato. Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik também votaram para anular todas as medidas da primeira instância.
Em seu voto, Noronha disse que a condução das medidas cautelares preparatórias foi "temerária" e "despida de aparência de regularidade". "Se o magistrado de primeiro grau era absolutamente incompetente para o deferimento das medidas cautelares investigativas em desfavor do paciente, não há como se sustentar a viabilidade da ratificação dessas medidas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, já que são manifestamente nulas."
DENÚNCIA. Flávio foi denunciado por peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro pelo Ministério Público do Rio, que o acusa de desviar salários de funcionários durante os mandatos como deputado estadual. O processo, no entanto, está parado pelos efeitos da decisão da Justiça fluminense, que garantiu foro ao senador e transferiu a investigação para a segunda instância.
Os advogados do senador usaram a decisão para contestar a validade das apurações feitas até então, enquanto o MP do Rio tenta nova versão da denúncia que deixou de fora provas anuladas pela Justiça, incluindo quebras de sigilo bancário e fiscal dos investigados.
Defensor de Flávio, o advogado Rodrigo Roca disse que a decisão acompanhou posição do STF e jurisprudência do próprio STJ. "Tenho o chamado caso das rachadinhas como vazio, resolvido e com justiça."
Cronologia
Denúncia foi oferecida em novembro de 2020
• Dezembro de 2018
A investigação sobre "rachadinhas" é aberta após o 'Estadão' revelar relatório do Coaf que apontava movimentações financeiras "atípicas" de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro.
• Novembro de 2020
Ministério Público do Rio denuncia Flávio por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
• Fevereiro de 2021
STJ anula as quebras de sigilos bancário e fiscal de Flávio no âmbito das investigações do caso das "rachadinhas".
• Agosto 2021
Ministro João Otávio de Noronha, do STJ, determina a suspensão da investigação contra Flávio, Queiroz e outros 15 investigados.