Valor Econômico, v. 20, n. 4871, 01/11/2019. Brasil, p. A6

PEC emergencial quer destravar R$ 30 bi em 2020

Lu Aiko Otta
Vandson Lima 


O governo quer destravar cerca de R$ 30 bilhões no Orçamento da União de 2020 com a aprovação, ainda neste ano, de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que caracterizará o quadro de emergência fiscal e permitirá o acionamento de “gatilhos” para cortar despesas, informou fonte ao Valor. Uma PEC só com esse tema deverá integrar o conjunto de propostas do programa Mais Brasil.

Um governo em situação de emergência poderá, por exemplo, reduzir jornada e salários dos servidores públicos. Ou suspender reajustes salariais acima da inflação. A PEC trará uma lista de providências que poderão ser acionadas.

Esses mesmos dispositivos estarão em outra PEC maior, que contemplará também temas como a repartição das receitas de royalties da União com Estados e municípios. A repetição do tema em duas PECs distintas é uma estratégia para garantir a apreciação rápida das regras de emergência fiscal.

Avalia-se que a PEC maior será aprovada só por volta de março ou abril do ano que vem. Já a PEC menor poderá ser aprovada até dezembro, pois a liberação de recursos do Orçamento de 2020 interessa a deputados e senadores.

Em ambas as PECs, o governo dirá exatamente o que caracteriza um quadro de emergência fiscal. Com isso, tentará corrigir uma falha da legislação do teto de gastos, que não deixa claro em que momento as medidas para reduzir gastos são acionadas.

As PECs dirão que, no caso da União, a emergência fiscal será caracterizada pelo descumprimento da chamada “regra de ouro”, aquela que proíbe a emissão de dívida para pagar despesas correntes. Se essa norma estivesse em vigor, o governo federal já estaria em emergência fiscal em 2019 e em 2020.

Já no caso dos Estados e dos municípios, a emergência fiscal ocorrerá quando os gastos com pessoal ultrapassarem um determinado limite. Ontem, os técnicos ainda discutiam se esse limite seria o mesmo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), 60% da receita corrente líquida, ou se seria um valor maior. Há 14 unidades da federação potencialmente enqua

As PECs deverão dizer que, uma vez caracterizada a emergência, os Estados terão a opção de aderir ou não a um programa de ajuste. Os que não aderirem, no entanto, não poderão mais contar com o socorro financeiro do Tesouro Nacional.

Segundo a fonte, criou-se nas últimas décadas uma cultura de “entes dependentes” da União. Estados e municípios que não fazem gestão fiscal eficiente volta e meia são socorridos pelo Tesouro Nacional. A ideia é acabar com essa prática.

A União deixará de dar aval a operações de crédito de Estados e municípios, exceto nos empréstimos de organismos internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial. Há um estoque de operações com outras instituições, como a Caixa Econômica Federal, que não será renovado.

O quadro fiscal do setor público brasileiro será monitorado pelo Conselho de Gestão Fiscal, formado por integrantes dos três poderes. Serão realizadas avaliações trimestrais.

Ao trazer o Judiciário para o conselho, o objetivo é evitar que sejam dadas decisões descoladas do dia a dia financeiro da União, dos Estados e dos municípios, determinando gastos sem previsão orçamentária.

Já tramita na Câmara dos Deputados uma PEC, a 438, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) que traz diversos mecanismos para cortar gastos quando o governo estiver na iminência de descumprir a “regra de ouro”. Mesmo assim, o governo decidiu elaborar uma proposta própria, a ser protocolada pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).

A decisão provocou uma certa tensão com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O presidente da Câmara, no entanto, optou por manter a tramitação da PEC 438 em paralelo. Quando a proposta do governo for aprovada no Senado Federal, o debate já estará avançado entre os deputados.